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A Crise Atual entre Paquistão e Afeganistão: Disputa de Fronteira, Rivalidades Regionais e Jogo de Poder Internacional.

Introdução

A recente escalada de confrontos ao longo da fronteira entre Paquistão e Afeganistão, em outubro de 2025, reacendeu tensões históricas e ampliou o risco de instabilidade regional no Sul da Ásia. O conflito, que começou como um episódio localizado na região fronteiriça de Spin Boldak/Chaman e Kurram, rapidamente evoluiu para trocas de artilharia, fechamento de fronteiras e movimentação militar significativa.

A crise ultrapassa a dimensão bilateral. Ela envolve rivalidades estratégicas mais amplas e conecta-se aos interesses de Índia, China e do Ocidente. A disputa não é apenas por controle territorial ou segurança de fronteira: trata-se de um tabuleiro geopolítico complexo em que potências regionais e extrarregionais projetam poder, influência e contenção.

Este artigo tentará analisas as causas da crise, apresentará um mapa de atores relevantes e examinará como os interesses indianos, chineses e ocidentais se articulam nesse cenário. A análise tem como base sete artigos publicados no Blog, conforme podemos ver a seguir:


1. Causas Profundas da Crise Atual

Para compreender a escalada de outubro de 2025, é necessário ir além dos tiros de artilharia e observar as camadas históricas, estruturais e estratégicas que moldam a fronteira afegã-paquistanesa.


1.1 Antecedentes de escalada (2024–2025)

Os incidentes fronteiriços entre Paquistão e Afeganistão vinham se acumulando desde 2024, especialmente em Khyber e no Waziristão Norte.

Em abril de 2025, confrontos intensos resultaram em dezenas de mortos entre militantes e forças paquistanesas. Esse histórico criou um ambiente de tensão latente em que pequenos incidentes se tornam rapidamente gatilhos de crises maiores.

O contexto recente é marcado pela desconfiança de Islamabad quanto ao uso do território afegão por insurgentes, em especial ligados ao Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP), grupo acusado de executar atentados contra forças paquistanesas.

1.2 Início da crise

A atual crise teve início com acusações de disparos de forças afegãs ou militantes operando a partir do território afegão contra postos militares paquistaneses. Islamabad respondeu com bombardeios e artilharia, alegando neutralizar bases insurgentes.

A tensão aumentou quando o Talibã anunciou baixas entre seus combatentes e civis, o que provocou retaliações do lado afegão e levou ao fechamento de postos fronteiriços. Essa dinâmica ocorreu enquanto Cabul se aproximava diplomaticamente da Índia, ampliando a desconfiança de Islamabad.

1.3 Elementos estruturais da escalada

Vários fatores estruturais explicam por que incidentes localizados ganham dimensão estratégica:

  • Relações ambíguas entre inteligência paquistanesa e redes insurgentes: conforme analisado no artigo “Seção Inteligência: o serviço de inteligência paquistanês e sua ligação com o Talibã”, existe uma longa história de conexões informais entre o aparato de segurança paquistanês e facções talibãs. Isso cria zonas cinzentas de responsabilidade e desconfiança.

  • Fragilidade institucional do regime talibã: no artigo “Emirado Islâmico do Afeganistão: fator de instabilidade regional”, argumentamos que o controle do Talibã sobre o território é fragmentado, permitindo que facções regionais atuem com autonomia e potencialmente provoquem incidentes sem autorização central.

  • Pressões internas no Paquistão: em “A crise paquistanesa e os seus possíveis impactos geopolíticos na Ásia” , destacamos como insurgências internas — especialmente no Balochistão — e crises econômicas pressionam Islamabad a responder de forma contundente para projetar força.

  • Importância estratégica do Balochistão e do corredor sino-paquistanês (China–Pakistan Economic Corridor): ataques ou instabilidade nessa região ameaçam diretamente investimentos chineses, como analisa o artigo “Balochistão: preocupação sino-paquistanesa” .

  • Rivalidade Índia-Paquistão projetada no Afeganistão: o artigo “Problemática da Caxemira: tensão diária (Parte II) — a crise Índia-Paquistão em maio de 2025”  mostra como Islamabad acusa Nova Deli de usar Cabul como espaço de contenção indireta.

1.4 Dinâmica da crise

Uma vez disparada, a crise se retroalimenta:

  • Retaliações automáticas elevam a intensidade militar;

  • Canais diplomáticos ficam menos operacionais;

  • Atores não estatais (como TTP ou facções talibãs) intervêm autonomamente; e

  • Há risco de abertura de múltiplas frentes (ocidental e oriental) para Islamabad.


2. Mapa de Atores da Crise

A crise atual envolve um conjunto de atores estatais, não estatais e potências externas, todos com interesses interligados e, muitas vezes, concorrentes.

Ator

Papel / influência

Relações críticas / saldo de poder

Vulnerabilidades / tensões

Paquistão (Exército / ISI)

Principal parte confrontante; resposta militar direta

Relações ambíguas com redes insurgentes no Afeganistão

Crise interna, insurgência no Balochistão, economia frágil

Talibã

Regime de Cabul; parte acusada de abrigar insurgentes

Relação volátil com Islamabad e TTP

Controle territorial limitado

TTP

Grupo insurgente anti-Paquistão

Acusado de operar a partir do Afeganistão

Suscetível a retaliações

Facções no Balochistão

Desestabilizam fronteiras e infraestrutura

Impactam diretamente projetos estratégicos

Repressão estatal forte

Índia

Rival estrutural do Paquistão; parceira diplomática crescente do Talibã

Apoio político e econômico a Cabul

Exposição a escalada regional

China

Parceira estratégica de Islamabad

Interesses no CPEC e estabilidade regional

Vulnerabilidade se rotas forem ameaçadas

Ocidente (EUA, UE)

Observador e potencial mediador

Interesses em segurança antiterrorista

Margem de ação limitada

3. Interesses Indianos

A Índia tem interesse direto em conter a influência paquistanesa na região e fortalecer sua posição estratégica no Afeganistão como contrapeso a Islamabad.

O governo indiano vê no Talibã uma oportunidade de abrir canais diplomáticos pragmáticos, buscando garantir que Cabul não se torne novamente base de grupos militantes hostis à Índia, como no passado. Além disso, Nova Deli monitora a situação para evitar uma escalada que possa repercutir na fronteira da Caxemira.


4. Interesses Chineses

A China, por sua vez, observa a crise principalmente pela ótica da proteção de seus investimentos no Paquistão e estabilidade regional.

O CPEC é um pilar essencial da estratégia econômica e geopolítica chinesa no Sul da Ásia. A escalada de violência perto do Balochistão ameaça rotas comerciais estratégicas que conectam o corredor a portos no Mar Arábico. Além disso, Pequim busca evitar que militantes uigures ou grupos islamistas se fortaleçam na fronteira afegã, temendo reflexos na Região Autônoma Uigur de Xinjiang.


5. Interesses do Ocidente

Os países ocidentais, em especial os EUA e aliados europeus, acompanham a crise com atenção devido ao risco de ressurgimento de redes jihadistas transnacionais.

Embora a capacidade de intervenção direta seja limitada após a retirada ocidental do Afeganistão, a região continua sendo de alta prioridade em estratégias de contraterrorismo. Washington busca manter canais de diálogo para evitar que a escalada facilite a reorganização de grupos afiliados à Al-Qaeda ou Estado Islâmico – Khorasan.


6. Convergências e Divergências de Interesses

  • Convergência parcial entre China e Ocidente: ambos têm interesse na estabilidade mínima da fronteira, embora por razões distintas.

  • Divergência entre Índia e Paquistão: cada lado busca projetar influência sobre Cabul, transformando o Afeganistão em arena geopolítica.

  • Divergência entre Talibã e Paquistão: relação de interdependência assimétrica — Islamabad pressiona por controle de fronteira, Cabul busca autonomia.

  • Atores não estatais funcionam como aceleradores de instabilidade, não como solucionadores de crise.


7. Implicações para a Segurança Regional

  • A intensificação de confrontos tende a degradar a confiança mútua entre Islamabad e Cabul, tornando futuras crises mais prováveis e perigosas.

  • A infraestrutura estratégica ligada ao CPEC e ao Balochistão fica mais vulnerável, afetando diretamente interesses chineses.

  • Zonas sem controle efetivo na fronteira favorecem a atuação de grupos jihadistas transnacionais, elevando preocupações ocidentais.

  • A rivalidade Índia–Paquistão pode se projetar ainda mais sobre o Afeganistão, alimentando uma nova rodada de competição regional.


Conclusão

A crise fronteiriça entre Paquistão e Afeganistão não é um episódio isolado: ela é a manifestação visível de um conjunto de tensões históricas, rivalidades estratégicas e interesses externos sobrepostos.

De um lado, Islamabad enfrenta desafios internos que reduzem sua margem de manobra. De outro, Cabul busca afirmar autonomia frente a um antigo patrono. Em paralelo, Índia, China e o Ocidente monitoram e influenciam a dinâmica, cada um segundo suas próprias agendas geopolíticas.

Como alertamos no artigo “Afeganistão: a volta dos Talibãs ao poder” , o retorno do Talibã ao poder criou um epicentro de instabilidade regional que não pode ser contido apenas por acordos de fronteira.

A fronteira Durand permanece uma linha porosa e politicamente explosiva.

Sem mecanismos regionais robustos e coordenação real entre potências, a fronteira Paquistão-Afeganistão continuará sendo um “ponto de ignição” estratégico — com implicações que vão muito além de Chaman e Spin Boldak.

Agora nos resta acompanhar se o recente cessar fogo de 48 horas irá perdurar.


Qual a sua opinião?

Seguem algumas matérias para auxiliar a nossa análise:

Matéria de 15/10/2025:

Matéria de 15/10/2025:

Matéria de 15/10/2025:

Matéria de 12/10/2025:


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