Problemática da Caxemira: tensão diária - Parte II: a crise Índia-Paquistão em Maio de 2025: Uma Análise Geopolítica e Estratégica.
- Alexandre Tito Xavier
- há 6 minutos
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Introdução
O Blog vem acompanhando as crises da região do Indo-Pacífico, e com isso as tensões entre a Índia e o Paquistão, por meio dos nossos artigos, dentre os sugerimos a leitura, pois contribuirão com o leitor na compreensão da problemática regional:
"Problemática da Caxemira: tensão diária", de 14 de maio de 2020, que pode ser lido em https://www.atitoxavier.com/post/problemática-da-caxemira-tensão-diária;
"Seção Inteligência: serviço de inteligência indiano, e possíveis interesses no Brasil", de 14 de outubro de 2020, acessível em https://www.atitoxavier.com/post/seção-inteligência-serviço-de-inteligência-indiano-e-possíveis-interesses-no-brasil;
"Seção Inteligência: o serviço de inteligência paquistanês e sua ligação com o Talibã", de 21 de outubro de 2020, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/seção-inteligência-o-serviço-de-inteligência-paquistanês-e-sua-ligação-com-o-talibã; e
"Seria o Indo-Pacífico a região mais tensa do mundo?", de 01 de julho de 2023, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/seria-o-indo-pacífico-a-região-mais-tensa-do-mundo.
A recente escalada nas tensões entre a Índia e o Paquistão, deflagrada em maio de 2025 pelo atentado em Pahalgam e pela subsequente retaliação indiana por meio da “Operação Sindoor”, evidencia a persistente instabilidade geopolítica no Sul da Ásia.


Apesar da obtenção de um cessar-fogo frágil, o episódio revela a intrincada rede de atores internos e externos que se beneficiam da volatilidade regional, destaca a crescente rivalidade entre os Estados Unidos da América - EUA e China, e reacende os temores quanto à possibilidade de um conflito convencional de alta intensidade entre potências nucleares.
Este artigo visa oferecer uma análise abrangente da crise, com foco nos interesses domésticos em jogo, na competição geoestratégica entre grandes potências, nos riscos de escalada militar e, adicionalmente, no papel dos sistemas de armamentos e das alianças militares que moldam os equilíbrios de poder na região.
1. Atores Internos Beneficiários da Crise
A deflagração de crises como a de maio de 2025, frequentemente, fortalece setores políticos, militares e ideológicos específicos tanto na Índia quanto no Paquistão.
Na Índia, a resposta contundente à ação terrorista – simbolizada pela “Operação Sindoor” – reforçou o discurso nacionalista predominante no governo e atendeu à demanda popular por firmeza diante do que é percebido como terrorismo patrocinado pelo Estado paquistanês. O aparato militar e a atividade de Inteligência indianos se beneficiam institucionalmente com o aumento de orçamento, legitimação de suas doutrinas ofensivas e avanço na modernização das forças armadas. A indústria nacional de defesa, impulsionada por programas de autossuficiência e transferências tecnológicas ocidentais, também se favorece com a intensificação das tensões.
No Paquistão, o Exército reafirma seu papel central no Estado, bem como a sua Atividade de Inteligência, à semelhança dos indianos, utilizando a retórica da ameaça indiana para justificar sua supremacia sobre o poder civil, a manutenção de vastos recursos orçamentários e o controle da política externa. Elementos radicais e grupos religiosos ganham espaço na retórica pública, reforçando a legitimidade de organizações militantes ligadas à causa da Caxemira. Para grupos como o Lashkar-e-Taiba (LeT) e o Jaish-e-Mohammed (JeM), apontados por Nova Délhi como responsáveis pelo atentado, a crise eleva sua visibilidade, atrai recursos e serve de justificativa ideológica para suas ações armadas.
2. Disputa Geopolítica entre EUA e China
A crise político - militar ocorre em um contexto de competição sistêmica entre Washington e Pequim, na qual o Sul da Ásia se insere como uma arena de importância crescente.
Os EUA consolidaram a Índia como pilar fundamental de sua estratégia de contenção à China no Indo-Pacífico. A aproximação indo-estadunidense envolve cooperação em defesa, inteligência, interoperabilidade naval e transferência de tecnologia. Contudo, o vínculo histórico dos EUA com o Paquistão, embora desgastado, ainda condiciona sua diplomacia: Washington busca manter canais abertos com Islamabad por razões de contraterrorismo e estabilidade afegã, ao mesmo tempo em que evita fortalecer o eixo sino-paquistanês. A crise de 2025 revela as dificuldades estadunidenses em equilibrar interesses conflitantes, num momento em que sua influência regional enfrenta crescente contestação.
A China, por sua vez, mantém uma aliança estratégica com o Paquistão ancorada em interesses econômicos – como o Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC) – e na necessidade de conter a Índia. Pequim vê o Paquistão como um parceiro indispensável para projetar poder na região e assegurar suas linhas de comunicação no Oceano Índico. Contudo, a China também busca evitar um conflito aberto que prejudique suas relações econômicas com a Índia. A crise expôs o dilema de Pequim: apoiar Islamabad politicamente e militarmente, sem sacrificar a estabilidade necessária para seus projetos regionais. Nesse sentido, o episódio pode ser utilizado por Pequim para reforçar sua imagem como mediadora indispensável e simultaneamente aprofundar a dependência paquistanesa.
3. Complexo Militar e Alianças de Armamentos: Impactos Geopolíticos
O padrão de aquisição e fornecimento de armamentos por Índia e Paquistão revela as estruturas de dependência e influência geoestratégica que reforçam as alianças regionais e impactam diretamente a dinâmica de poder.
Índia:
A Índia, com seu programa ambicioso de modernização militar, adota uma estratégia de diversificação de fornecedores com predominância de fontes ocidentais. Os principais parceiros são:
A) EUA: fornecimento de aeronaves de patrulha marítima (P-8I), helicópteros Apache e Chinook, sistemas de vigilância e cooperação em ciberdefesa e inteligência.
B) França: fornecimento dos caças Rafale, considerados cruciais para superioridade aérea.
C) Israel: cooperação em mísseis balísticos e antiaéreos (sistemas Barak), além de tecnologia de drones e guerra eletrônica.
D) Rússia: apesar da crescente aproximação ocidental, Moscou ainda fornece uma parte considerável do arsenal terrestre indiano, incluindo tanques T-90, mísseis BrahMos (em parceria com a Índia) e sistemas antiaéreos S-400. Além disso, existe uma parceria estratégica no tocante a submarino nuclear
Este padrão de aquisições aumenta o grau de interoperabilidade da Índia com o Ocidente fortalece sua posição como contrapeso regional à China, ao mesmo tempo em que eleva a sua autonomia estratégica ao integrar diversas doutrinas e plataformas. Além disso, em que pese a parceria estratégica sino-russa, uma Índia forte é interessante para Moscou, pois deixa Pequim sobre uma certa pressão regional. Assim, para os fornecedores, o mercado indiano representa não apenas oportunidades econômicas, mas um vetor de contenção ao expansionismo chinês.
Paquistão
O Paquistão, tradicional aliado dos EUA durante a Guerra Fria (1948 - 1991) e a guerra ao terror (2001 - ), tem gradualmente ampliado sua dependência da China no setor de defesa:
A) China: principal fornecedora atual, responsável por caças JF-17 (co-produzidos), drones armados, blindados, radares e mísseis balísticos. A colaboração inclui transferência de tecnologia e integração de doutrinas. Um destaque recente é a incorporação de caças J-10C, aeronaves de quarta geração com radar AESA e capacidade de lançamento de mísseis ar-ar PL-15 guiados por radar ativo, o que representa um salto qualitativo na aviação de combate paquistanesa.
B) EUA: historicamente forneceram caças F-16, helicópteros e equipamentos de vigilância. Contudo, o apoio tem sido limitado nos últimos anos devido à deterioração das relações bilaterais, embora não tenha cessado por completo.
Este arranjo consolida a parceria sino-paquistanesa como eixo estratégico, com implicações para o equilíbrio regional. A crescente presença de tecnologia chinesa nas forças armadas do Paquistão amplia a interoperabilidade entre os dois países, enquanto a retração relativa do apoio militar dos EUA a Islamabad reflete uma reavaliação de prioridades frente ao avanço indiano na parceria com o Ocidente.
Geopoliticamente, o fornecimento de armas transforma o Sul da Ásia em um microcosmo da competição global, com Índia e Paquistão servindo como vetores de influência para potências externas. A corrida armamentista regional, marcada por aquisições de mísseis de cruzeiro, sistemas de guerra cibernética, veículos aéreos não tripulados e capacidades navais ofensivas, agrava o risco de escalada em crises futuras.
4. Embate Aéreo e Repercussões Geopolíticas
A crise de maio de 2025 trouxe à tona um episódio militar de alto impacto simbólico: o engajamento aéreo entre a Força Aérea do Paquistão (PAF) e a Força Aérea Indiana (IAF), ocorrido nos céus da Caxemira, marcando o confronto direto entre caças J-10C paquistaneses e Rafales indianos.
Segundo fontes abertas, o embate envolveu o lançamento de mísseis ar-ar de longo alcance por ambas as partes, com os J-10C equipados com os mísseis PL-15 e os Rafales com os Meteor, considerados um dos armamentos mais avançados do mundo. Apesar da superioridade técnica do Meteor em alcance e resistência à interferência eletrônica, relatos preliminares indicam que a PAF teria obtido pelo menos uma vitória aérea, danificando ou abatendo um Rafale – fato ainda não confirmado oficialmente pela Índia, que sustenta ter infligido perdas à aviação adversária.
Daí vem a questão: "O Que Está em Jogo?"
O resultado desse embate – independentemente da veracidade absoluta das alegações de cada lado – já está produzindo efeitos políticos e estratégicos:
Moral e percepção pública: Para o Paquistão, a simples ideia de que um caça de fabricação chinesa tenha enfrentado e supostamente derrotado uma aeronave ocidental de elite como o Rafale é um triunfo de propaganda. Isso fortalece a imagem de eficácia da aliança sino-paquistanesa e desacredita parcialmente a superioridade tecnológica ocidental na narrativa regional.
Credibilidade dos fornecedores: Um eventual desempenho inferior do Rafale, mesmo que isolado ou circunstancial, levanta questionamentos em outros países compradores, enquanto eleva o prestígio das armas chinesas, especialmente entre Estados de renda média ou sob sanções ocidentais.
Impacto na doutrina e aquisição: A Índia poderá revisar sua doutrina aérea ofensiva, ampliando investimentos em sistemas de guerra eletrônica e defesa antiaérea integrada. O Paquistão, por sua vez, deverá acelerar a aquisição de novos lotes de J-10C e aumentar a ênfase em sua doutrina de “negação aérea”, valorizando plataformas furtivas e capacidades BVR (Beyond Visual Range).
Nesse contexto, apresentamos uma nova pergunta: "Uma Virada Geopolítica?"
Embora ainda seja prematuro falar em mudança estrutural no equilíbrio aéreo do Sul da Ásia, o embate sinaliza uma transição em curso. O avanço da aviação de combate chinesa, em desempenho e custo-benefício, começa a produzir efeitos reais no campo de batalha. Isso representa uma mudança de paradigma na tradicional vantagem qualitativa dos sistemas ocidentais na região. Se os J-10C continuarem a demonstrar eficácia contra plataformas como o Rafale ou mesmo o Su-30MKI indiano, Pequim poderá capitalizar o sucesso não apenas em termos estratégicos, mas também como soft power militar diante do Sul Global.
Nesse cenário, a Índia pode se ver pressionada a acelerar sua aproximação com os EUA em busca de tecnologias de quinta geração, como o F-35 ou o desenvolvimento conjunto de aeronaves furtivas, enquanto o Paquistão se consolida como vitrine do complexo militar-industrial chinês.
5. Possibilidade de Escalada para Conflito de Alta Intensidade
Apesar da contenção temporária via cessar-fogo, a probabilidade de nova escalada entre Índia e Paquistão permanece elevada. Vários fatores sustentam esse risco:
Disputa Não Resolvida em Caxemira: a ausência de uma solução política duradoura mantém a região em estado de tensão crônica.
Grupos Militantes: a persistência de organizações armadas transfronteiriças, vistas pela Índia como instrumentos do Estado paquistanês, alimenta o ciclo de provocações e retaliações.
Modernização Militar e Redução dos Limiares de Uso da Força: o avanço tecnológico, embora destinado à dissuasão, pode acelerar reações ofensivas em contextos de crise.
Ambiguidade nas Doutrinas Nucleares: a ameaça de uso de armas nucleares táticas pelo Paquistão, em caso de avanço terrestre indiano, adiciona um nível crítico de perigo e incerteza.
Pressões Políticas Internas e Nacionalismo: a polarização e a retórica inflamada restringem o espaço político para a diplomacia.
Intervenção (ou ausência) de Atores Externos: a eficácia da atuação de mediadores como EUA e China será determinante para a contenção de futuras crises.
Conclusão
A atual crise Índia-Paquistão representa mais do que um episódio pontual de hostilidade bilateral. Ela se insere em um contexto mais amplo de competição estratégica entre grandes potências, reposicionamento de alianças militares e crescente complexidade tecnológica nos teatros regionais. As dinâmicas internas dos dois países, combinadas com o ativismo das potências armamentistas e a ausência de mecanismos robustos de resolução de conflitos, tornam o Sul da Ásia uma das regiões mais voláteis do sistema internacional contemporâneo.
Outrossim, em nossa visão, não é do interesse do Paquistão entrar em um conflito de alta intensidade com a Índia, devido aos seus problemas econômicos e inferioridade militar em relação aos indianos. Entretanto, é do seu interesse permanecer numa crise permanente com a Índia, visando atender aos grupos radicais internos, o que mitiga um pouco a grande instabilidade interna. Por outro lado, embora a Índia queira se firmar como uma potência regional, também em nossa análise, não é do interesse indiano uma guerra total com os paquistaneses.
Nesse sentido, são esperados a ocorrência de conflitos de baixa intensidade, visando testar as capacidades e vontades, bem como para satisfazer os públicos internos. Porém, um erro de cálculo pode fazer com que a situação fuja ao controle, estando os países sempre andando numa linha muito tênue.
Embora a dissuasão nuclear tenha, até aqui, evitado a guerra total, ela está longe de ser uma garantia de estabilidade. A manutenção da paz requer não apenas contenção militar, mas também compromisso político com a resolução das causas estruturais do conflito, inclusive aquelas enraizadas em narrativas nacionalistas, exclusivismos territoriais e assimetrias econômicas.
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Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:
Matéria de 07/05/2025:
Matéria de 12/05/2025:
Matéria de 12/05/2025: