Será que os palestinos finalmente terão um país? - Parte II. Improvável.
- Alexandre Tito Xavier
- há 3 dias
- 5 min de leitura

Este artigo tentará analisar a recente decisão do governo israelense de ocupar totalmente a Faixa de Gaza, a partir de informações divulgadas pela imprensa internacional e de nossas análises anteriores sobre a geopolítica do Oriente Médio. A pesquisa incorpora a nossa percepção de que o atual governo de Israel não busca a criação de um Estado palestino por considerar, sob uma ótica messiânica, tal possibilidade como uma ameaça existencial. A análise está estruturada em quatro eixos: contexto histórico e político, dimensões estratégicas e militares, impactos humanitários e jurídicos, e implicações ideológicas. Conclui-se que a atual decisão representa não apenas uma escalada militar, mas também um movimento alinhado a objetivos políticos de longo prazo que fragilizam qualquer solução negociada para o conflito.
1. Introdução
A decisão do governo israelense, anunciada em agosto de 2025, de ocupar integralmente a Cidade de Gaza e, possivelmente, toda a Faixa de Gaza, constitui um dos movimentos mais significativos e controversos do conflito israelo-palestino no século XXI. Apresentada oficialmente como uma estratégia para neutralizar o Hamas, libertar reféns e instaurar uma nova administração civil, a medida suscitou reações críticas da comunidade internacional, advertências da ONU e preocupações dentro das próprias Forças de Defesa de Israel (FDI).

Neste artigo, analisamos os múltiplos fatores que moldam essa decisão, explorando desde a tradição estratégica israelense até as motivações ideológicas que permeiam a atual liderança política, com destaque para a rejeição à solução de dois Estados e o caráter messiânico que fundamenta parte da ação governamental.
Recomendamos a releitura dos nossos artigos, com o intuito de contribuir com a contextualização do cenário e com a nossa percepção sobre o problema:
"Será que os palestinos finalmente terão um país?", de 12 de maio de 2024, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/será-que-os-palestinos-finalmente-terão-um-país; e
"A nova configuração do Oriente Médio: bipolaridade Irã x Israel. Parte V: E agora?", de 20 de junho de 2025, acessível em https://www.atitoxavier.com/post/a-nova-configuração-do-oriente-médio-bipolaridade-irã-x-israel-parte-v-e-agora.
2. Contexto histórico e político
O conflito israelo-palestino é marcado por uma disputa territorial e identitária que remonta ao início do século XX, mas cujos contornos contemporâneos se intensificaram após a Guerra dos Seis Dias (1967), quando Israel ocupou Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
Desde a retirada unilateral de Gaza em 2005, a região tem sido governada pelo Hamas (desde 2007), o que, para Israel, configura uma ameaça permanente à sua segurança. Contudo, como argumentamos em Será que os palestinos finalmente terão um país?, a resistência israelense à criação de um Estado palestino vai além do fator Hamas, estando enraizada em uma percepção estratégica e ideológica de que tal Estado representaria um risco intolerável.
O cenário atual é agravado pelo alinhamento do governo de Benjamin Netanyahu com partidos ultranacionalistas e religiosos, para os quais a presença judaica integral sobre a “Terra de Israel” não é apenas um imperativo de segurança, mas um mandamento histórico e religioso.
3. Dimensões estratégicas e militares
Do ponto de vista operacional, a ocupação total de Gaza implica desafios de alta complexidade. O controle militar sobre uma área densamente povoada exige mobilização prolongada de tropas, aumento da exposição a ataques insurgentes e altos custos logísticos.
Nesse sentido, o chefe do Estado-Maior israelense, Eyal Zamir, alertou para riscos significativos, incluindo:
Agravamento da situação dos reféns;
Possível esgotamento físico e psicológico das tropas, especialmente reservistas;
Erosão da coesão social e do apoio interno à guerra.
Em uma conversa tensa entre Zamir e Netanyahu, o chefe do Estado-Maior israelense teria falado que a ocupação total de Gaza seria "o mesmo que cair em uma armadilha" (fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4g03yvqej8o).
A estratégia israelense, entretanto, não se restringe a objetivos militares imediatos. Ao neutralizar o Hamas e impedir que qualquer entidade política palestina — incluindo a Autoridade Palestina — assuma o controle, Israel consolida uma posição que inviabiliza, de fato, a construção de um Estado palestino soberano, reforçando seu domínio estratégico sobre a região.
Dessa forma apresentamos abaixo um quadro comparativo entre os objetivos declarados pelo governo e os objetivos estratégicos implícitos:
Objetivos declarados pelo governo | Objetivos Estratégicos implícitos |
Neutralizar o Hamas | Impedir a formação de qualquer governo palestino soberano |
Libertar reféns | Consolidar presença militar permanente em Gaza |
Estabelecer administração civil não ligada ao Hamas ou à Autoridade Palestina | Desarticular politicamente a solução de dois Estados |
Garantir segurança de Israel | Expandir controle territorial sob justificativa de segurança |
4. Impactos humanitários e jurídicos
A ONU e organizações humanitárias alertam para consequências catastróficas. A ofensiva pode provocar o deslocamento forçado de centenas de milhares de civis, colapsar o sistema de saúde local e intensificar a insegurança alimentar.
Em nossa percepção, ao olharmos o ponto de vista jurídico, a ocupação prolongada de Gaza contraria normas fundamentais do direito internacional, incluindo:
A proibição de anexação de território pela força (Carta da ONU, art. 2.4);
A obrigação de respeitar a autodeterminação dos povos (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 1);
A Convenção de Genebra IV, que regula a proteção de civis sob ocupação.
Assim, a ação israelense levanta sérias questões, na comunidade internacional, sobre responsabilidade internacional e sobre o risco de ser classificada como “limpeza étnica” ou “crime de guerra”.
Nesse contexto, apresentamos um quadro de possíveis implicações referentes as possíveis consequências sobre a ocupação total da Faixa de Gaza:
Dimensão | Impactos Esperados |
Militar | Aumento do desgaste das tropas; intensificação de ataques insurgentes; risco aos reféns. |
Humanitária | Deslocamento em massa; colapso do sistema de saúde; insegurança alimentar generalizada. |
Geopolítica | Isolamento diplomático; tensão com aliados; fortalecimento da narrativa anti-Israel no mundo árabe e islâmico. |
Jurídica | Potenciais acusações de crimes de guerra; violação de tratados internacionais. |
5. Implicações ideológicas
A nossa percepção — de que o atual governo israelense não deseja a criação de um Estado palestino por uma visão messiânica — oferece uma chave interpretativa essencial.
Assim, o nosso entendimento é que a política externa israelense atual é fortemente influenciada por correntes religiosas e nacionalistas que:
Rejeitam qualquer partilha territorial por considerá-la contrária à promessa bíblica;
Associam a existência de um Estado palestino a uma ameaça à integridade e à segurança do Estado judeu;
Buscam consolidar a presença israelense permanente em áreas consideradas parte histórica da “Eretz Israel” - Terra de Israel.
Neste quadro, a ocupação total de Gaza não é apenas uma medida contra o Hamas, mas, em nossa opinião, um passo calculado para redefinir, de forma irreversível, a geografia política do conflito.
6. Conclusão
A ocupação total da Faixa de Gaza, ao combinar objetivos militares com motivações ideológicas, representa um ponto de inflexão no conflito. Ao mesmo tempo em que enfraquece o Hamas no curto prazo, consolida um cenário no qual a criação de um Estado palestino se torna ainda mais distante, ou quase impossível.
Essa postura, embora justificada pelo governo israelense como uma questão de segurança nacional, insere-se em uma lógica de longo prazo que, sob uma ótica messiânica, considera a presença judaica integral como imperativo não negociável.
As consequências, contudo, podem ser devastadoras: intensificação da crise humanitária, isolamento diplomático de Israel, aumento da instabilidade regional e, possivelmente, a consolidação de um ciclo de violência sem horizonte de resolução política.
Agora só nos resta acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, pois ainda existe muita incerteza.
Qual a sua opinião?
Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:
Matéria de 08/08/2025:
Matéria de 08/08/2025:
Matéria de 09/08/2025:
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