A Nova Crise Política entre Brasil e EUA.
- Alexandre Tito Xavier
- 18 de jul.
- 5 min de leitura

O Brasil, por sua posição geopolítica estratégica na América do Sul — destacando-se pelo vasto território, expressiva população e relevância econômica — detém todas as condições objetivas para exercer liderança regional. Entretanto, ao longo de sua história recente, vem adotando uma postura mais reativa do que proativa, o que tem contribuído para que se transforme, gradualmente, em um “alvo geopolítico” dos EUA, especialmente sob o atual governo de Donald Trump.
A atual tensão entre Brasília e Washington decorre de uma conjunção de fatores estruturais e conjunturais, que incluem divergências comerciais, posicionamentos políticos e reconfigurações na ordem internacional. Dentre os principais pontos de atrito, destacam-se:
A iniciativa brasileira de regulamentar e tributar as big techs estadunidenses, cuja influência sobre o governo de Washington é notória. A proposta brasileira de aumentar a soberania digital colide frontalmente com os interesses corporativos e estratégicos dos EUA, que historicamente protegem suas gigantes de tecnologia no cenário internacional;
O estreitamento das relações brasileiras com regimes não alinhados ao Ocidente, como China, Rússia, Irã e outros membros do BRICS+. A presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas comemorações da vitória russa na Segunda Guerra Mundial, ao lado de líderes autoritários, foi interpretada por setores em Washington como um gesto simbólico de afastamento do eixo ocidental;
A defesa da substituição do dólar por moedas locais nas transações internacionais, especialmente no âmbito do BRICS+, sinaliza uma contestação explícita à hegemonia monetária dos EUA. Essa proposta, embora técnica, carrega profundo significado político-econômico, pois desafia diretamente os fundamentos da atual ordem econômica internacional;
As críticas públicas e rotineiras do governo brasileiro à política tarifária dos EUA, muitas vezes formuladas de forma contundente, têm contribuído para elevar a temperatura do relacionamento bilateral.
Essa conjuntura levou à nossa percepção de que Washington poderia recorrer a sanções econômicas disfarçadas sob o pretexto de disputas comerciais, bem como de outras penalidades. O Blog já antecipava essa possibilidade, como demonstrado em dois artigos de referência:
No texto “A influência das ORCRIM nos Estados da América Latina - Parte III: A Expansão da Doutrina Antiterrorista no Novo Governo Trump” (07 de maio de 2025), disponível em https://www.atitoxavier.com/post/a-influência-das-orcrim-nos-estados-da-américa-latina-parte-iii-a-expansão-da-doutrina-antiterror, mencionou-se a tentativa do governo brasileiro de evitar que os EUA classifiquem organizações criminosas brasileiras como entidades terroristas. Tal classificação teria efeitos jurídicos e diplomáticos significativos, podendo fundamentar medidas coercitivas mais amplas;
Em “Os BRICS poderão ter a sua relevância incrementada no cenário internacional? Parte VI” (07 de julho de 2025), disponível em https://www.atitoxavier.com/post/os-brics-poderão-ter-a-sua-relevância-incrementada-no-cenário-internacional-parte-vi-a-cúpula-dos, foi analisado o uso ampliado de moedas locais nas transações do BRICS+ como uma possível manobra de resistência ao dólar, algo que Washington poderia considerar como provocação geoeconômica.
A materialização dessa tensão ocorreu em 09 de julho de 2025, quando os EUA anunciaram a aplicação de uma tarifa de 50% sobre determinados produtos brasileiros, com vigência a partir de 01 de agosto. A medida foi formalizada na Carta de Trump ao presidente Lula, acessível em https://static.poder360.com.br/2025/07/Carta-Trump-Brasil-portugues.pdf, que também informou a abertura de uma investigação da Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, dispositivo utilizado para justificar retaliações comerciais sob alegação de práticas injustas de mercado. A carta ainda acusava o Poder Judiciário brasileiro de perseguição ao ex-presidente Bolsonaro, e que a tarifa de 50% seria uma espécie de retaliação a isso, o que foi considerado como uma afronta grave a soberania brasileira.
Logo, a combinação da tarifa punitiva e de uma potencial condenação no relatório da Seção 301 representa, em nossa visão, uma sanção de fato contra o Brasil, com efeitos severos sobre a economia nacional. Entretanto, a ausência de uma causa justa e clara, bem como a falta de um canal institucional de diálogo sugerem que a medida possui motivações geopolíticas e não meramente comerciais.
A escalada da crise foi intensificada pelas declarações pessoais do presidente Lula, que, em tom combativo, inclusive na CNN estadunidense, referiu-se a Donald Trump como um "imperador do mundo", "gringo" e afirmou que, se Trump tivesse agido no Brasil como agiu nos EUA, estaria preso. Essas declarações extrapolam o campo diplomático e adicionam um componente pessoal à tensão, contribuindo para o aumento do distanciamento entre os dois países.
Adicionalmente, a ausência de um embaixador estadunidense em Brasília desde a posse de Trump e a substituição do adido de defesa em cerimônia fechada, sem a presença de autoridades brasileiras (civis e militares), são indicativos de um esfriamento nas relações institucionais e até militares, agravando ainda mais o quadro geral.
Nesse sentido, alguns analistas já aventam a possiblidade de Trump propor sanções militares ao nosso país.
É importante recordar que a relação bilateral entre Brasil e EUA já atravessou diversas crises ao longo do último século, como:
Crise do Aço e do Algodão (1906–1908) – Disputa comercial em que os EUA mantiveram tarifas desfavoráveis aos produtos brasileiros;
Aproximação com o Eixo e Pressão Americana (1939–1942) – A hesitação de Getúlio Vargas em se alinhar aos Aliados gerou forte pressão dos EUA;
Golpe Militar de 1964 – Envolvimento direto dos EUA na deposição de João Goulart;
Crise Nuclear (1975–1977) – Forte oposição estadunidense ao acordo nuclear Brasil-Alemanha;
Espionagem da NSA (2013) – Revelações de espionagem contra a presidente Dilma Rousseff;
Alinhamento Automático e Tensões Comerciais (2019–2020) – Divergências comerciais e ambientais durante os governos Trump e Bolsonaro;
Críticas à Democracia e Invasão ao Capitólio (2021–2023) – Acusações de conivência ideológica entre aliados de Bolsonaro e radicais estadunidenses.
Soma-se a esse cenário a ameaça de Washington, com o apoio da OTAN, de taxar em 100% os países que estiverem apoiando o esforço de guerra russo contra a Ucrânia (tarifas secundárias), com destaque para a China e a Índia. Assim, o Brasil também entra, novamente, na mira estadunidense, pois atualmente é um dos maiores importadores de óleo diesel russo, bem como um bom comprador de fertilizantes.
Não obstante cabe lembrar que a maioria do material militar de defesa brasileiro é padrão OTAN, e a EMBRAER vem tendo sucesso nas vendas da aeronave KC-390 para países membros dessa aliança Ocidental.
Conclusão
A crise que atualmente se instala entre os governos do Brasil e dos EUA carrega todos os elementos estruturais e simbólicos para se transformar em uma das mais severas na história da relação bilateral. Diferente de tensões anteriores, esta crise combina aspectos econômicos, ideológicos, diplomáticos e pessoais, ocorrendo num contexto global de multipolaridade crescente e de erosão das instituições multilaterais.
A ausência de canais diplomáticos eficazes, somada a uma retórica agressiva de ambos os lados, aumenta a imprevisibilidade do cenário. Caso não haja uma contenção rápida dos danos institucionais, há risco concreto de prejuízos econômicos substanciais, aumento da perda de influência regional por parte do Brasil e até ruptura na cooperação militar e de segurança.
Diante desse panorama, torna-se urgente a reativação de canais diplomáticos de alto nível e a adoção de uma abordagem estratégica de Estado, que transcenda disputas ideológicas e bravatas de ambos os lados, buscando preservar os interesses nacionais de longo prazo frente a um ambiente geopolítico cada vez mais instável, pois como sempre temos vaticinado em nossos artigos: "estamos vivendo num mundo mais imprevisível e menos seguro".
Infelizmente, a intenção de liderar o cenário eleitoral interno - eleições de 2026 - pode impactar no bem-estar da sociedade brasileira.
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Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise: Matéria de 18/07/2025:
Matéria de 18/07/2025:
Matéria de 17/07/2025:
Matéria de 18/07/2025:
Matéria de 10/07/2025:
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