Índia: aliado estratégico para o Brasil. Parte III: um caminho para autossuficiência e protagonismo no Sul Global.
- Alexandre Tito Xavier

- há 2 minutos
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Introdução
Nas últimas décadas, o panorama geopolítico global tem se transformado de maneira acelerada. A emergência de atores regionais, a multipolaridade crescente e a disputa entre grandes potências — especialmente entre EUA e China — redesenham as prioridades estratégicas de países historicamente periféricos no sistema internacional. Nesse contexto, a relação Brasil–Índia, como temos afirmado em nossos artigos, ganha relevo não apenas como uma expressão diplomática tradicional, mas como uma oportunidade concreta para a construção de uma aliança estratégica profunda, capaz de reforçar a autonomia, a segurança e o desenvolvimento tecnológico de ambos os países.
A Índia, por seu lado, impulsiona uma política externa cada vez mais pragmática e orientada por interesses nacionais claros: almeja consolidar-se como potência regional, defender sua soberania frente a ameaças fronteiriças e elevar sua autonomia estratégica, buscando a sua autossuficiência, inclusive no domínio militar e espacial. Para o Brasil, historicamente marcado por uma tradição de autonomia e multilateralismo, a aproximação com Nova Déli oferece uma via de diversificação de parcerias, longe da dependência excessiva das grandes potências hegemônicas, especialmente a China e os EUA.
Este artigo continua explorando por que e como a Índia representa um aliado estratégico para o Brasil, destacando oportunidades nas dimensões econômica, de defesa, tecnológica e espacial. A análise parte dos argumentos e dados contidos na apresentação fornecida pelo atual Embaixador do Brasil na Índia - Kenneth Félix Haczynski da Nóbrega, quando estive lá no período de 16 a 21 de novembro de 2025, e nos artigos: “Índia: aliado estratégico para o Brasil – Parte III”; “Índia: aliado estratégico para o Brasil no período de disputa geopolítica entre a China e os EUA”; e “Índia: aliado estratégico para o Brasil – Geopolítica Espacial, Parte II”, buscando construir um panorama articulado e atualizado de cooperação sul–sul com vantagens mútuas. Tais artigos podem ser acessados respectivamente em https://www.atitoxavier.com/post/índia-aliado-estratégico-para-o-brasil-parte-iii; https://www.atitoxavier.com/post/índia-aliado-estratégico-para-o-brasil-no-período-de-disputa-geopolítica-entre-a-china-e-os-eua; https://www.atitoxavier.com/post/índia-aliado-estratégico-para-o-brasil-geopolítica-espacial-parte-ii.
Análise
A análise está estruturada em três eixos principais: (1) complementaridade econômica e comercial, (2) cooperação em defesa e tecnologia militar, e (3) parceria no setor espacial, todos convergindo para o objetivo mais amplo de autossuficiência estratégica e fortalecimento da posição do Brasil e da Índia como potências regionais e globais emergentes.
1. Complementaridade Econômica e Comercial
Um dos argumentos mais contundentes para a aliança estratégica entre Brasil e Índia reside na complementaridade econômica entre os dois países. Conforme destacado nos artigos referenciados na Introdução, Brasil e Índia compartilham características notáveis: vastos territórios, populações numerosas, regimes democráticos pluriétnicos e desafios sociais similares, como pobreza e desigualdades estruturais.
Essa afinidade sociopolítica cria uma base de entendimento para uma cooperação mais profunda nos temas de desenvolvimento. No plano comercial, a Índia já é o principal parceiro do Brasil na América do Sul. Em 2022, segundo dados citados por nós, o Brasil exportou cerca de US$ 6,43 bilhões para a Índia, enquanto importou US$ 9,78 bilhões daquele país, com crescimento contínuo das trocas comerciais ano a ano.
Mais que números, a composição dessas trocas revela oportunidades estratégicas: o Brasil exporta commodities agrícolas e produtos energéticos, como petróleo e biocombustíveis (etanol), setores em que se destaca globalmente, enquanto a Índia pode fornecer ao Brasil tecnologia, farmacêuticos, componentes industriais e outros bens de valor agregado.

Fonte: Palestra do Embaixador do Brasil, Sr. Kenneth Félix Haczynski da Nóbrega
Com a tensão crescente entre EUA e China, países de todo o mundo buscam diversificar suas cadeias de suprimento e reduzir vulnerabilidades. Nesse cenário, a Índia aparece para o Brasil como uma alternativa mais compatível do que a China, oferecendo tecnologia avançada, um mercado interno gigantesco e menor risco de dependência hegemônica.
Por outro lado, para a Índia, o Brasil representa uma porta de entrada privilegiada para o mercado latino-americano, especialmente nos setores agrícola e energético, que são cruciais para sua segurança alimentar e energética enquanto enfrenta o desafio de manter a estabilidade de sua imensa população.
Assim, a cooperação Brasil–Índia pode se consolidar como uma aliança econômica estratégica, mais resiliente e mutuamente benéfica do que muitas parcerias tradicionais com potências dominantes, contribuindo para a autossuficiência de ambos os países e reduzindo riscos geopolíticos.
2. Defesa e Tecnologia Militar
A dimensão da defesa constitui outro pilar essencial da parceria estratégica entre Brasil e Índia. A Índia, conforme demonstrado por estudos recentes, tem empreendido uma modernização acelerada de suas Forças Armadas, acompanhada por um ambicioso desenvolvimento de sua base industrial de defesa (BID).
No Brasil, há um crescente reconhecimento de que a cooperação com a Índia em defesa pode preencher lacunas tecnológicas importantes. A análise publicada pelo Centro de Estudos Estratégicos do Exército destaca precisamente esse potencial: embora as relações de cooperação ainda sejam modestas, há um grande espaço para a expansão nas áreas de defesa, tecnologia militar e produção conjunta.
Além disso, segundo relatos de mídia, a Índia manifestou interesse em parcerias com empresas brasileiras de defesa. Por exemplo, há negociações para que a Mahindra Group (conglomerado multinacional indiano fundado em 1945, com sede em Mumbai), em consórcio com a Embraer, forneça aeronaves de transporte médio (como o C-390 Millenium) para a Força Aérea Indiana. Também há indicações de que a Índia poderia colaborar com o Brasil no programa de desenvolvimento de submarinos (PROSUB), aproveitando a expertise indiana adquirida no desenvolvimento de seus próprios submarinos nucleares, como o Arihant. Além disso, cabe informar que os indianos estão desenvolvendo um módulo AIP para os seus submarinos convencionais da Classe Scorpene, o que poderia ser importante para o aprimoramento dos nossos submarinos Classe Riachuelo.
Ademais, a cooperação de defesa não se limita a plataformas físicas. A Índia possui avanços relevantes em sistemas de mísseis, obuseiros e outros meios capazes de fortalecer a capacidade militar brasileira em áreas onde historicamente há lacunas.
Essa relação de defesa oferece uma via para que o Brasil reduza sua dependência de fornecedores tradicionais muitas vezes condicionados por pressões geopolíticas externas. Ao mesmo tempo, para a Índia, a parceria com o Brasil reforça sua presença estratégica no Hemisfério Sul e amplia as possibilidades de cooperação militar fora do eixo Eurasiano.
Vale ressaltar que ambos os países compartilham uma visão estratégica baseada na autonomia: a Índia busca consolidar uma base industrial de defesa robusta para garantir sua sobriedade, enquanto o Brasil tem interesse em desenvolver capacidades que reduzam vulnerabilidades externas e fortaleçam sua posição internacional. A convergência de valores e objetivos torna a cooperação não apenas possível, mas sinérgica e potencialmente transformadora.
3. Parceria Espacial e Tecnológica
Um dos aspectos mais promissores da aliança Brasil–Índia reside no campo espacial. A aproximação espacial entre os dois países tem sido tratada há anos como estratégica, especialmente diante da crescente importância do espaço para fins civis e militares. Nos artigos referenciados, essa cooperação espacial é apresentada como fundamental para que o Brasil alcance, no futuro, um grau maior de autossuficiência tecnológica e estratégica.
O Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) do Brasil para o período 2022–2031, aprovado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), demonstra a ambição brasileira de consolidar uma estrutura espacial nacional que possa servir a múltiplos setores: comunicações, agricultura de precisão, monitoramento ambiental, defesa nacional, saúde, educação, entre outros.
Entretanto, o Brasil ainda depende de tecnologias externas para lançar satélites e operar sistemas sofisticados de sensoriamento remoto. Nesse contexto, a cooperação com a Organização Indiana para Pesquisa Espacial (ISRO) representa uma oportunidade estratégica: a Índia, com seu programa espacial de baixo custo e comprovada competência (como demonstrado nas missões Chandrayaan – à Lua – e Mangalyaan – em Marte), pode oferecer ao Brasil acesso às plataformas de lançamento, desenvolvimento de satélites e integração tecnológica.
Além disso, desde 2004, Brasil e Índia mantêm acordos para cooperação no uso pacífico do espaço. O ajuste complementar firmado em 2007 permite que o Brasil receba dados de satélites indianos como o ResourceSat-1 e o ResourceSat-2 para monitoramento ambiental, desmatamento e queimadas.
Essa parceria espacial tem implicações estratégicas profundas: ao desenvolver uma base tecnológica conjunta, Brasil e Índia podem reduzir sua dependência de terceiros (como potências espaciais hegemônicas) e fortalecer sua autonomia tecnológica no sul global. Para o Brasil, que ainda está construindo sua infraestrutura espacial e lutando para modernizar seu programa científico e militar, a colaboração indiana pode acelerar esse processo. Para a Índia, a cooperação amplia seu prestígio internacional, reforça seus laços com um ator importante no Hemisfério Sul e promove sua visão de liderança sul–sul.
Outrossim, a modernização conjunta e a capacitação de recursos humanos nos dois países podem gerar sinergias positivas: universidades, centros de pesquisa e indústrias podem colaborar em inovações que beneficiem economias locais, enquanto programas governamentais fomentam o desenvolvimento de satélites, sistemas de observação da Terra e aplicações de uso dual (civis e militares).
Por fim, em um mundo cada vez mais marcado pela militarização do espaço, ter parceiros confiáveis que compartilham valores estratégicos e visões de autonomia torna-se ainda mais relevante. A Índia, com seu histórico e experiência, surge como um dos raros parceiros capazes de ajudar o Brasil a construir uma presença espacial robusta e autônoma.
Conclusão
A análise acima demonstra por que a Índia representa um aliado estratégico para o Brasil — não apenas por conveniência diplomática, mas por sua capacidade de promover, em conjunto, uma autossuficiência real e sustentável em múltiplas dimensões: econômica, tecnológica, de defesa e espacial.
A complementaridade dos recursos naturais brasileiros (agronegócio, petróleo, biocombustíveis) com a base tecnológica indiana cria uma plataforma de cooperação mutuamente vantajosa. No campo da defesa, a modernização das Forças Armadas indianas e sua indústria militar consolidada oferecem ao Brasil alternativas para diversificar sua cooperação militar e reduzir vulnerabilidades. Na esfera espacial, a expertise da ISRO, combinada com os objetivos do PNAE brasileiro, abre a possibilidade de uma parceria estratégica de longo prazo, que fortaleça a soberania tecnológica de ambos os países.
Mais ainda: a aliança entre Brasil e Índia insere-se de forma orgânica no contexto de um mundo multipolar, em que potências emergentes do Sul global buscam redefinir regras e protagonismos. Em vez de simplesmente escolher entre os blocos liderados por grandes potências, o Brasil tem uma oportunidade de reforçar sua autonomia por meio de uma parceria estratégica que alie pragmatismo, visão de longo prazo e solidariedade sul–sul.
No entanto, para que essa aliança alcance seu pleno potencial, é necessário um compromisso político duradouro por parte de ambos os governos. O Brasil deve investir de forma robusta em sua base científica, tecnológica e industrial, enquanto formula políticas externas que priorizem a diversificação de parcerias estratégicas. A Índia, por sua vez, precisará manter seu impulso de modernização militar e espacial, ao mesmo tempo em que fortalece os mecanismos de cooperação coletiva com o Brasil.
Em suma, em nossa visão, a parceria entre Brasil e Índia não é apenas desejável: é estratégica, como temos defendido em nossos artigos. Ela oferece uma via para que ambos os países avancem em direção a uma autonomia mais substantiva, reduzam suas vulnerabilidades frente a potências hegemônicas e participem ativamente da construção de uma ordem internacional mais plural, justa e equilibrada — uma ordem em que os grandes protagonistas emergentes do Sul global possam exercer influência sem subordinação.




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