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A importância do legado histórico na formação da marinha contemporânea: os casos espanhol e alemão.


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No dia 27 de novembro de 2022, participei como convidado de uma live no Youtube no canal chamado Base Militar Magazine, em que o tema foi a comparação entre as marinhas da Alemanha e da Espanha. Assim, eu tentei demonstrar como a formação atual dessas forças navais está intimamente relacionada com o legado histórico, inclusive com os ensinamentos obtidos com os seus insucessos. A entrevista pode ser acessada por meio do link https://youtu.be/1B2Fq50n2fk .

Nesse sentido, achei por bem escrever esse artigo para o leitor do Blog, para que possa refletir sobre o assunto, bem como analisar a nossa marinha, por isso a figura icônica da Batalha Naval do Riachuelo. Entretanto, farei uma breve análise das marinhas alemã e espanhola.


A) Marinha Alemã:

A história da marinha alemã remonta à sua criação em junho de 1848 e começa a perder importância logo após a Revolução Alemã - novembro de 1848 - desaparecendo 4 anos depois em 1852.

Em 1871 durante o Império Prussiano do Kaiser Guilherme I ela foi criada novamente, e concebida inicialmente para a proteção costeira. Entretanto em 1888 com o Kaiser Guilherme II, a marinha alemã se torna um instrumento de projeção de poder da sua agressiva política externa, pois ele via a importância do poder naval como projeção de poder global. Assim, ele transformou a sua marinha numa das maiores do mundo, ficando atrás da britânica – maior potência naval mundial à época - e rivalizando com ela. Para tanto contou com a assessoria do Almirante Tirpitz.

Essa disputa e competição pela supremacia naval levou ao desenvolvimento do Dreadnought pelos britânicos, sendo um grande salto tecnológico à época, mudando totalmente os padrões da guerra naval.

Em que pese os esforços prussianos, eles não conseguiram superar os britânicos.

Essa disputa culminou no enfrentamento entre elas na Primeira Guerra Mundial pela supremacia naval, na famosa Batalha da Jutlândia, em que a marinha alemã não estava devidamente preparada para esse enfrentamento, marcando o fim do período da marinha alemã de alto mar ao final desta Guerra.

Outrossim, os submarinos alemães se revelaram uma excelente arma e causaram várias perdas durante o conflito, pois os britânicos até o início da Primeira Guerra não privilegiavam os submarinos como uma verdadeira ameaça. Para se ter uma ideia os alemães tinham 28 submarinos chegando a cerca de 300 até o final do conflito, gerando a guerra naval irrestrita.

Assim, de 1919 até 1933, a marinha alemã se tornou insignificante pelas restrições impostas pelo Tratado de Versalhes.

Com a ascensão de Hitler, é elaborado o Plano Z que pretendia construir uma marinha moderna e poderosa, inclusive vislumbrava porta-aviões, poderosos cruzadores etc. Além disso, previa uma força de submarinos poderosa, onde se destacava o Almirante Doenitz.

Novamente durante a Segunda Guerra Mundial a Força de Submarinos se destacou por suas táticas e tecnologias desenvolvidas, e de novo a Alemanha iniciou uma guerra sem estar com a sua marinha pronta.

É digno de nota que tanto na Primeira Guerra Mundial, quanto na Segunda o pensamento de que a Alemanha era um poder continental contribuiu para o papel secundário dado a sua marinha, em que a opção foi investir na força de submarinos. Essa força alemã com a sua tecnologia e procedimentos influenciou várias outras posteriormente.

Durante a Guerra Fria a marinha alemã ocidental tinha como áreas operacionais o Mar do Norte e o Mar Báltico sendo a sua principal tarefa tentar evitar com que a marinha soviética saísse pelo Mar Báltico, via o norte da Dinamarca, para o Atlântico Norte.

Figura disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/92/Baltic_Sea_map.png/800px-Baltic_Sea_map.png

Já a marinha da Alemanha Oriental criada pela ex-União Soviética era composta por navios menores e bem armados, destacando-se os navios de alta velocidade lançadores de torpedos de superfície. Essa marinha tinha as tarefas de reconhecimento, defesa antissubmarina e de costa, sendo a sua área operacional o Mar Báltico.

Porém, após a Guerra Fria, 1989, e com a reunificação da Alemanha, a sua marinha começa a operar globalmente, bem como se integra totalmente à OTAN.

Nesse sentido, a Alemanha começa a ver a importância da manutenção da boa ordem do mar, além da importância de manter a segurança das suas linhas de comunicação marítima, pois é um país exportador e depende do comércio exterior.

Dessa forma, a marinha alemã possui modernas corvetas para operar em águas costeiras a fim de cumprir mandatos da ONU e da OTAN, como o embargo contra contrabando de armas, combate ao terrorismo, e ações navais nas rotas de refugiados pelo mar, além da defesa da costa alemã, que devido as suas características geográficas possui uma boa capacidade de guerra de minas, com navios varredores e caça minas modernos.

Ademais, as suas modernas fragatas podem ser integradas aos Grupos-Tarefa baseados em porta-aviões, bem como em operações navais internacionais com a OTAN, como o contraterrorismo.

A tradição submarina alemã possibilitou o desenvolvimento de submarinos silenciosos, modernos e confiáveis, como a atual classe 212, que é considerada uma das melhores classes de submarinos convencionais do mundo.

Atualmente, vem crescendo a preocupação com a ascensão do poder naval russo.

Portanto, podemos ver que, atualmente, a marinha alemã possui uma postura defensiva, concebida para atuar em parcerias e alianças, visando contribuir com a boa ordem no mar e não pretendendo projetar poder.


Figura disponível em: https://www.guiageo.com/europa/imagens/mapa-alemanha.jpg

Por isso, não possui porta-aviões ou meios de projeção de poder, como navios anfíbios e submarinos de propulsão nuclear.

Entretanto, acredito que a Alemanha continuará investindo em sua marinha, transformando-a numa das mais capazes da Europa, não cometendo os erros do passado, pois tem uma melhor compreensão da importância do mar, e assim será cada vez mais global.

Daí vemos várias lições até para o Brasil:

- uma marinha não se faz de uma hora para outra, como dizia Rui Barbosa;

- o poder terrestre - pensamento continentalista - não é suficiente para assegurar a segurança do Estado quando não se tem um poder naval forte; e

- a presença global só é realizada por meio do poder naval.


B) Marinha Espanhola:

Ela possui muita história, mas por incrível que pareça acho mais fácil resumi-la para podermos entender melhor como ela é formada nos dias atuais.

A marinha espanhola remonta ao período das grandes navegações quando os países ibéricos - Portugal e Espanha - eram as grandes potências navais do mundo, chegando a dividi-lo entre eles, o que demonstra a mentalidade marítima desses povos, com vários nomes de destaque na história.

Logo, vemos que a filosofia de projeção de poder e de presença global está enraizada na origem da marinha espanhola.

Podemos dizer que ela começa a perder a sua supremacia naval no período de Felipe II, por ocasião do episódio, em 1588, que ficou conhecido como Invencível Armada, chamada pejorativamente pelos ingleses, quando os espanhóis fracassaram em invadir a Inglaterra, sendo repelidos pelos ingleses, que contaram com o apoio dos holandeses. Além disso, perderam cerca da metade da sua Esquadra devido a uma forte tempestade. Entretanto, a Espanha se mantém como uma potência naval relevante no período que vai do final do século XV ao início do XVIII.

No século XIX a marinha espanhola não consegue manter as suas colônias nas Américas, e encontrava-se encolhendo, com isso tem vários revezes, como na guerra hispano-americana. Assim, perdeu o protagonismo naval do passado.

No século XX, nos chamou a atenção o fato da marinha espanhola ter executado a primeira operação anfíbia moderna na região norte do Marrocos, durante a RIF WAR em 1925, com o desembarque de tanques e tropas. Além disso, houve o apoio aeronaval, o que fez com que essa operação fosse considerada como a precursora das operações anfíbias da segunda guerra mundial.

Durante as Primeira e Segunda Guerras Mundiais ela se manteve neutra, e o país estava com um alto índice de pobreza.

Outrossim, a partir da metade do século XX, a marinha espanhola inicia uma reorganização para se tornar uma marinha relevante novamente, e adota a doutrina da marinha estadunidense, entrando para a OTAN em 1982.

Na modernização de sua marinha contou com a ajuda estadunidense, bem como com a parceria francesa no tocante a construção de submarinos.

Cabe mencionar que a manutenção das suas ilhas é importante para a Espanha, como as Baleares, Canárias, além de outros territórios como Ceuta e Melila no Marrocos. Portanto, o eixo Canárias – Gibraltar – Baleares é considerado como estratégico e prioritário para o país.


Figura disponível em: https://www.revistaejercitos.com/wp-content/uploads/2020/10/Eje-Baleares-Estrecho-Canarias.png

Além disso, participa ativamente das missões da OTAN.

Para tanto, a marinha espanhola para defender os seus interesses conta uma forte força anfíbia com navios com capacidade de projetar poder, como o Navio de Projeção Estratégica Juan Carlos I – porta-aviões VSTOL com aeronaves Harrier - e navios de assalto anfíbio.

Ademais possui fragatas modernas que podem ser integradas aos Grupos-Tarefa baseados em porta-aviões, como as Fragatas Classe Álvaro de Bazan que possuem o sistema AEGIS, e submarinos, em que se destaca a nova classe S-80 Isaac Peral, que possuiu sérios e vultosos problemas em sua construção, e que poderá se tornar em um dos melhores submarinos convencionais do mundo.

Convém mencionar, que em virtude da sua proximidade com a África, que tem como consequência a tentativa dos africanos em ingressar irregularmente na Espanha pelo mar, a marinha espanhola conta com muitos navios patrulha.

Outrossim, ao se olhar o mapa - entrada do Mar Mediterrâneo - pode-se ver a importância da guerra de minas para a Espanha, o que justifica ter navios para esse fim.

Estão previstos novos investimentos na marinha espanhola, como a futura classe de Fragatas F110, que deverá substituir a Classe Santa Maria F-80. Portanto, com as novas classes de submarinos e de fragatas a marinha espanhola continuará sendo uma marinha relevante no cenário internacional.

Assim, vemos que a marinha espanhola permanece em seu DNA com a projeção de poder e a cultura de presença global.

Ao olharmos as duas marinhas concluímos que para constituir um poder naval forte envolve um planejamento contínuo de longo prazo, incluindo a sua manutenção e os decorrentes planos de investimento, também contínuo, em novas tecnologias, com o intuito de fazer com que esse poder naval esteja sempre pronto e possa fazer frente as ameaças cada vez mais difusas, além das tradicionais. Assim, o poder naval deve ter uma capacidade de se adaptar aos diversos cenários.

Além disso, os Estados que não possuem um poder naval crível estão fadados ao insucesso e ficam à mercê de um agressor. Ademais, a mentalidade continentalista não é suficiente para assegurar a proteção do Estado.

Vimos que o legado histórico influi na formação das marinhas contemporâneas, inclusive mostrando os erros do passado, que devem ser alvo de aprendizado para o presente e o futuro.

Com o exposto, em que vimos duas marinhas com histórias diferentes e que possuem formações contemporâneas distintas, apesar de serem quase equivalentes em número, concluímos que elas tiveram a sua atualidade totalmente influenciada pelo passado.


Qual a sua opinião?

Seguem algumas indagações para que auxiliar em nossa reflexão:

Você acha o Brasil dá a devida importância ao seu legado histórico na formação da atual Marinha do Brasil? Aprendemos com os erros do passado no presente? Temos uma mentalidade continentalista e marítima, ou somente uma delas? Em sua opinião qual seria o DNA da Marinha do Brasil? A Marinha do Brasil em sua visão possui atualmente um papel secundário? O nosso poder naval está pronto para fazer frente as ameaças contantes no PEM-2040?

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