“A Nova Estratégia de Segurança Nacional dos EUA: Redefinição das Esferas de Influência e a Venezuela como Laboratório Geopolítico nas Américas”
- Alexandre Tito Xavier

- há 5 horas
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Introdução
A política externa e a estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos da América - EUA sempre refletiram, de maneira direta ou indireta, a leitura que suas lideranças fazem da ordem internacional e do lugar que o país deve ocupar nela. No atual governo de Donald Trump, essa leitura assume contornos particularmente claros: o mundo passa a ser compreendido como um sistema de esferas de influência em disputa, no qual o poder — sobretudo o poder econômico e militar — deve ser exercido de forma explícita, pragmática e, quando necessário, coercitiva.
A National Security Strategy - NSS de 2025, acessível em https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2025/12/2025-National-Security-Strategy.pdf, documento central do atual governo Trump, consolida uma visão de mundo baseada na competição entre grandes potências, no enfraquecimento deliberado do multilateralismo tradicional e na redefinição das alianças sob critérios essencialmente transacionais. Diferentemente de estratégias anteriores, marcadas por discursos normativos sobre democracia liberal e ordem internacional baseada em regras, a NSS 2025 assume um tom direto: os EUA não pretendem mais “bancar” a segurança global, mas sim liderar por meio da força, da dissuasão e da imposição de custos aos adversários — e também aos parceiros que não contribuírem adequadamente.
Nesse contexto, a América Latina, e particularmente a Venezuela, emergem como elementos centrais para compreender a aplicação prática dessa nova estratégia. Sustenta-se, neste artigo, a hipótese de que a Venezuela vem sendo utilizada como um verdadeiro laboratório geopolítico para testar instrumentos de coerção, diplomacia naval, pressão econômica e isolamento estratégico, com o objetivo maior de afastar China, Rússia e Irã do hemisfério ocidental e reafirmar a primazia dos EUA nas Américas.
Ao mesmo tempo, observa-se uma tentativa deliberada de clarificar áreas de influência geopolítica no mundo, reduzindo ambiguidades estratégicas. As alianças tradicionais, como a OTAN, passam por um processo de reconfiguração: os EUA continuam liderando, mas exigem maior participação financeira, operacional e industrial dos aliados — preferencialmente por meio da compra de armamentos e sistemas de defesa produzidos pela indústria estadunidense, criando, assim, benefícios geoeconômicos diretos para Washington.
Nesse sentido, este artigo tem como objetivo analisar criticamente a estratégia de segurança nacional dos EUA no governo Donald Trump, avaliando o papel da Venezuela nesse arranjo, a utilização da diplomacia naval como instrumento de poder e os impactos dessa estratégia para a América Latina e para a ordem internacional contemporânea.
I. Contexto Histórico da Estratégia de Segurança dos Estados Unidos
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a estratégia de segurança nacional dos EUA tem oscilado entre momentos de liderança global assertiva e fases de retração seletiva, sempre condicionadas pela percepção de ameaças sistêmicas. Durante a Guerra Fria, a contenção da ex-União Soviética orientou praticamente todas as dimensões da política externa estadunidense. Com o colapso soviético, emergiu uma breve fase de hegemonia incontestada, marcada pela crença em uma ordem liberal global.
Entretanto, os eventos do século XXI — especialmente os atentados de 11 de setembro de 2001, as guerras do Afeganistão e do Iraque, a ascensão da China e o ressurgimento da Rússia como potência revisionista — corroeram progressivamente essa visão. A partir da década de 2010, torna-se evidente que os custos da liderança global passaram a ser percebidos como excessivos por parcelas significativas da elite política e da sociedade estadunidense.
É nesse ambiente que Donald Trump ascende politicamente, defendendo uma agenda de America First, que rejeita o universalismo liberal e prioriza interesses nacionais imediatos. No seu atual governo, essa visão não apenas retorna, mas é institucionalizada por meio da NSS 2025, que abandona qualquer ambiguidade quanto à natureza competitiva do sistema internacional.
Assim, em nossa visão, com o novo governo Trump os EUA deixam de ver os seus aliados como parceiros, mas como vassalos.
II. A National Security Strategy 2025: Princípios e Diretrizes Centrais
A NSS 2025 parte de um pressuposto fundamental: o mundo encontra-se em uma fase de competição estratégica aberta entre grandes potências, e os EUA precisam agir de forma decisiva para preservar sua posição. China e Rússia são explicitamente identificadas como adversários estratégicos, enquanto o Irã aparece como um ator desestabilizador regional com ambições extrarregionais.
Entre os pilares centrais da estratégia, destacam-se:
Dissuasão reforçada, baseada na superioridade militar e tecnológica;
Redefinição das alianças, com maior compartilhamento de custos;
Instrumentalização do poder econômico, por meio de sanções e incentivos;
Uso intensivo do poder naval e aéreo como ferramentas de presença global;
Clareza estratégica quanto às áreas de interesse vital dos EUA.
No hemisfério ocidental, a NSS é inequívoca: as Américas são tratadas como espaço prioritário de segurança nacional, onde a presença de potências extrarregionais é vista como inaceitável, o que vem sendo interpretado como uma nova leitura da Doutrina Monroe.
III. América Latina e a Venezuela como “Laboratório Estratégico”
A Venezuela ocupa uma posição singular na estratégia dos EUA. Detentora das maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, localizada em uma região estratégica do Caribe e profundamente integrada a redes de criminalidade transnacional, o país converteu-se, ao longo dos últimos anos, em um ponto de convergência de interesses russos, chineses e iranianos.
Sob a ótica de Washington, a Venezuela representa:
um desafio político-ideológico, ao sustentar um regime hostil aos EUA;
um risco de segurança, devido à presença de atores extrarregionais;
um exemplo dissuasório, capaz de sinalizar custos elevados a outros países da região.
A estratégia estadunidense, portanto, em nossa análise, não visa apenas uma mudança de regime, mas sim testar instrumentos de pressão combinada — sanções, isolamento diplomático, operações de informação e presença naval — que possam ser replicados em outros contextos hemisféricos.
IV. China, Rússia e Irã: A Disputa pelas Américas
A presença de China, Rússia e Irã na América Latina constitui um dos principais motivadores da atual postura dos EUA. A China atua principalmente por meio de investimentos, crédito e infraestrutura; a Rússia, por cooperação militar e simbologia estratégica; e o Irã, por redes informais e conexões com atores não estatais.
No caso venezuelano, essa convergência torna-se particularmente sensível. Para Washington, permitir que tais atores consolidem posições duradouras no Caribe equivaleria a aceitar uma erosão direta da Doutrina Monroe, ainda que esta não seja mais explicitamente mencionada nos discursos oficiais.
V. Novas Alianças, Defesa Compartilhada e Benefícios Geoeconômicos
Um dos aspectos mais característicos da estratégia de Trump é a redefinição das alianças sob lógica transacional. Os EUA não abandonam seus parceiros, mas condicionam o apoio à contribuição efetiva — financeira, militar e industrial.
Nesse contexto, a venda de armamentos estadunidenses surge como um instrumento duplo: fortalece aliados e, simultaneamente, impulsiona a base industrial de defesa dos EUA. Alinhar-se à estratégia de Washington, portanto, passa a gerar benefícios geoeconômicos claros, enquanto o desalinhamento impõe custos crescentes. Um exemplo disso é a Argentina, no governo de Milei.
VI. A Diplomacia Naval dos Estados Unidos contra a Venezuela
A diplomacia naval ocupa um lugar central na estratégia estadunidense em relação à Venezuela. Conforme demonstrado no nosso artigo "A Força Naval como um instrumento da diplomacia: Diplomacia das Canhoneiras e Diplomacia Naval", disponível em https://www.atitoxavier.com/post/a-força-naval-como-um-instrumento-da-diplomacia-diplomacia-das-canhoneiras-e-diplomacia-naval, o emprego do poder naval em tempos de paz é uma prática histórica de Estados que buscam influenciar o comportamento de outros atores internacionais.
No caso venezuelano, os EUA combinam elementos de Diplomacia das Canhoneiras — coerção e demonstração de força — com instrumentos mais amplos de Diplomacia Naval, como:
presença naval contínua no Caribe;
exercícios militares com aliados regionais;
operações de interdição marítima;
patrulhas associadas ao combate ao narcotráfico, mas com forte dimensão geopolítica.
Essas ações não visam necessariamente o conflito armado, mas sim a comunicação estratégica, sinalizando capacidade, disposição e limites. A Venezuela, nesse sentido, torna-se um espaço privilegiado para demonstrar como os EUA pretendem exercer sua influência naval no hemisfério.
VII – A Estratégia dos Estados Unidos à Luz do Método Integrado de Análise Geopolítica (MIAG): A Venezuela como Laboratório Hemisférico
A compreensão plena da estratégia de segurança nacional dos EUA no governo Donald Trump exige uma abordagem analítica que vá além da descrição de políticas, documentos e ações isoladas. Nesse sentido, o Método Integrado de Análise Geopolítica (MIAG) oferece uma estrutura particularmente adequada para interpretar a lógica subjacente às decisões estratégicas de Washington, especialmente no que se refere à América Latina e, de modo específico, à Venezuela.
Ao aplicar as cinco dimensões centrais do MIAG — espaço, tempo, força, risco geopolítico e inteligência estratégica — torna-se possível perceber que a política estadunidense em relação à Venezuela não é episódica nem reativa. Ao contrário, trata-se de uma estratégia deliberada, integrada e experimental, na qual o país sul-americano funciona como um ambiente controlado de teste para instrumentos de poder que podem ser empregados em outros contextos regionais ou globais.
Logo, a aplicação do MIAG revela que a Venezuela ocupa um papel estratégico que extrapola sua dimensão nacional. Ela converte-se em um nó geopolítico, onde convergem interesses espaciais, temporais, militares, econômicos, simbólicos e informacionais. A seguir, apresenta-se um quadro-síntese que relaciona cada dimensão do MIAG ao caso venezuelano, facilitando a visualização integrada da análise.
Quadro-Síntese – Aplicação do MIAG ao Caso Venezuelano na Estratégia dos EUA
Dimensão do MIAG | Elementos Analíticos Centrais | Aplicação ao Caso Venezuelano | Interpretação Estratégica |
Espaço | Localização geopolítica, domínio de ambientes (marítimo, aéreo, informacional), áreas de influência | Venezuela situada no Caribe, próxima a rotas marítimas estratégicas e ao entorno do Canal do Panamá; forte dependência do espaço marítimo | Uso do domínio naval para controle indireto do espaço hemisférico e contenção de potências extrarregionais |
Tempo | Ciclos estratégicos, desgaste, janelas de oportunidade, persistência | Pressão prolongada por meio de sanções, isolamento diplomático e presença naval contínua | Estratégia de erosão progressiva, evitando soluções rápidas e apostando no desgaste estrutural do regime |
Força | Emprego das expressões do Poder Nacional: como: Projeção de poder, coerção econômica, dissuasão, integração de meios militares e não militares. | Presença naval constante, exercícios militares, sanções econômicas e pressão política | Demonstração de superioridade incontestável sem escalada para conflito armado direto |
Risco Geopolítico | Ameaças, vulnerabilidades, capacidade de mitigação e efeitos regionais | Presença de China, Rússia e Irã; instabilidade regional; criminalidade transnacional | Tratamento da Venezuela como risco controlável e exemplar, cuja gestão sinaliza limites a outros atores |
Inteligência Estratégica | Aprendizado, antecipação, leitura de reações, ajuste de instrumentos | Observação das respostas de adversários globais, aliados regionais e organismos internacionais | Uso do caso venezuelano como fonte ativa de aprendizado estratégico e calibração de políticas |
Análise Integrada das Dimensões
Sob a ótica do espaço, a Venezuela é estratégica menos por sua realidade interna e mais por sua posição geográfica no hemisfério ocidental. O domínio marítimo exercido pelos EUA no Caribe permite um cerco indireto, no qual a diplomacia naval atua como instrumento de controle espacial e de comunicação estratégica, sem a necessidade de ocupação territorial ou confronto direto.
Na dimensão do tempo, observa-se uma clara opção pela coerção prolongada. O governo Trump não busca soluções rápidas ou negociações de longo prazo, mas sim a exploração do desgaste contínuo, apostando que a persistência das pressões reduzirá progressivamente a capacidade de manobra do regime venezuelano e de seus parceiros externos.
A força, no MIAG, manifesta-se de forma integrada. Ela não se limita ao poder militar, embora a presença naval seja central, mas combina sanções econômicas, isolamento diplomático e demonstrações simbólicas de poder. Trata-se de uma força calibrada para ser visível, crível e politicamente comunicável.
Quanto ao risco geopolítico, a Venezuela é percebida pelos EUA como um foco de risco administrável. A estratégia não visa eliminar todas as ameaças, mas conter sua expansão, elevar os custos da presença extrarregional e evitar que o caso venezuelano se transforme em um precedente replicável por outros Estados latino-americanos.
Por fim, na dimensão da inteligência estratégica, o caso venezuelano funciona como um verdadeiro laboratório. Washington observa, testa e ajusta seus instrumentos a partir das reações de China, Rússia, Irã, países da região e organismos multilaterais. Esse processo contínuo de aprendizado reforça a natureza experimental da estratégia adotada.
Portanto, a aplicação do MIAG demonstra que a estratégia de segurança nacional dos EUA no governo Donald Trump é coerente, integrada e intencional. A Venezuela não é apenas um problema regional a ser resolvido, mas um instrumento estratégico por meio do qual os estadunidenses reafirmam sua primazia hemisférica, testam mecanismos de coerção e enviam sinais claros sobre os limites de atuação de potências rivais nas Américas.
Conclusão
A análise da estratégia de segurança nacional dos EUA no governo Donald Trump revela uma mudança clara de paradigma: o retorno explícito à política de poder, à definição de esferas de influência e à utilização combinada de instrumentos militares, econômicos e diplomáticos.
A Venezuela emerge, nesse contexto, como um laboratório estratégico, no qual Washington testa e aperfeiçoa mecanismos de coerção e dissuasão aplicáveis ao hemisfério ocidental. A diplomacia naval, em particular, consolida-se como um instrumento central dessa estratégia, permitindo aos EUA influenciar, dissuadir e comunicar intenções sem recorrer diretamente ao conflito armado.
Outrossim, a Venezuela, à luz do MIAG, deixa de ser apenas um problema regional e passa a ser compreendida como um instrumento estratégico da política de poder dos EUA. O verdadeiro público-alvo da estratégia estadunidense não é apenas Caracas, mas Pequim, Moscou, Teerã e, de forma mais ampla, todo o hemisfério americano.
Nesse cenário, a análise demonstra que a estratégia do governo Donald Trump não é improvisada, mas experimental, integrada e orientada para a redefinição clara das esferas de influência no século XXI. Nesse sentido, o caso venezuelano oferece uma chave interpretativa privilegiada para compreender os rumos da geopolítica contemporânea nas Américas.
Para a América Latina, esse cenário impõe desafios significativos. A região volta a ocupar um lugar central na disputa entre grandes potências, exigindo dos Estados locais maior clareza estratégica, capacidade de leitura geopolítica e definição de interesses nacionais. Ignorar essa dinâmica significa aceitar passivamente decisões tomadas fora do hemisfério.
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Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:
Matéria de 18/12/2025:
Matéria de 05/12/2025:




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