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“A Nova Estratégia de Segurança Nacional dos EUA: Redefinição das Esferas de Influência e a Venezuela como Laboratório Geopolítico nas Américas”

Figura gerada com apoio de IA
Figura gerada com apoio de IA

Introdução

A política externa e a estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos da América - EUA sempre refletiram, de maneira direta ou indireta, a leitura que suas lideranças fazem da ordem internacional e do lugar que o país deve ocupar nela. No atual governo de Donald Trump, essa leitura assume contornos particularmente claros: o mundo passa a ser compreendido como um sistema de esferas de influência em disputa, no qual o poder — sobretudo o poder econômico e militar — deve ser exercido de forma explícita, pragmática e, quando necessário, coercitiva.

A National Security Strategy - NSS de 2025, acessível em https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2025/12/2025-National-Security-Strategy.pdf, documento central do atual governo Trump, consolida uma visão de mundo baseada na competição entre grandes potências, no enfraquecimento deliberado do multilateralismo tradicional e na redefinição das alianças sob critérios essencialmente transacionais. Diferentemente de estratégias anteriores, marcadas por discursos normativos sobre democracia liberal e ordem internacional baseada em regras, a NSS 2025 assume um tom direto: os EUA não pretendem mais “bancar” a segurança global, mas sim liderar por meio da força, da dissuasão e da imposição de custos aos adversários — e também aos parceiros que não contribuírem adequadamente.

Nesse contexto, a América Latina, e particularmente a Venezuela, emergem como elementos centrais para compreender a aplicação prática dessa nova estratégia. Sustenta-se, neste artigo, a hipótese de que a Venezuela vem sendo utilizada como um verdadeiro laboratório geopolítico para testar instrumentos de coerção, diplomacia naval, pressão econômica e isolamento estratégico, com o objetivo maior de afastar China, Rússia e Irã do hemisfério ocidental e reafirmar a primazia dos EUA nas Américas.

Ao mesmo tempo, observa-se uma tentativa deliberada de clarificar áreas de influência geopolítica no mundo, reduzindo ambiguidades estratégicas. As alianças tradicionais, como a OTAN, passam por um processo de reconfiguração: os EUA continuam liderando, mas exigem maior participação financeira, operacional e industrial dos aliados — preferencialmente por meio da compra de armamentos e sistemas de defesa produzidos pela indústria estadunidense, criando, assim, benefícios geoeconômicos diretos para Washington.

Nesse sentido, este artigo tem como objetivo analisar criticamente a estratégia de segurança nacional dos EUA no governo Donald Trump, avaliando o papel da Venezuela nesse arranjo, a utilização da diplomacia naval como instrumento de poder e os impactos dessa estratégia para a América Latina e para a ordem internacional contemporânea.


I. Contexto Histórico da Estratégia de Segurança dos Estados Unidos

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a estratégia de segurança nacional dos EUA tem oscilado entre momentos de liderança global assertiva e fases de retração seletiva, sempre condicionadas pela percepção de ameaças sistêmicas. Durante a Guerra Fria, a contenção da ex-União Soviética orientou praticamente todas as dimensões da política externa estadunidense. Com o colapso soviético, emergiu uma breve fase de hegemonia incontestada, marcada pela crença em uma ordem liberal global.

Entretanto, os eventos do século XXI — especialmente os atentados de 11 de setembro de 2001, as guerras do Afeganistão e do Iraque, a ascensão da China e o ressurgimento da Rússia como potência revisionista — corroeram progressivamente essa visão. A partir da década de 2010, torna-se evidente que os custos da liderança global passaram a ser percebidos como excessivos por parcelas significativas da elite política e da sociedade estadunidense.

É nesse ambiente que Donald Trump ascende politicamente, defendendo uma agenda de America First, que rejeita o universalismo liberal e prioriza interesses nacionais imediatos. No seu atual governo, essa visão não apenas retorna, mas é institucionalizada por meio da NSS 2025, que abandona qualquer ambiguidade quanto à natureza competitiva do sistema internacional.

Assim, em nossa visão, com o novo governo Trump os EUA deixam de ver os seus aliados como parceiros, mas como vassalos.


II. A National Security Strategy 2025: Princípios e Diretrizes Centrais

A NSS 2025 parte de um pressuposto fundamental: o mundo encontra-se em uma fase de competição estratégica aberta entre grandes potências, e os EUA precisam agir de forma decisiva para preservar sua posição. China e Rússia são explicitamente identificadas como adversários estratégicos, enquanto o Irã aparece como um ator desestabilizador regional com ambições extrarregionais.

Entre os pilares centrais da estratégia, destacam-se:

  1. Dissuasão reforçada, baseada na superioridade militar e tecnológica;

  2. Redefinição das alianças, com maior compartilhamento de custos;

  3. Instrumentalização do poder econômico, por meio de sanções e incentivos;

  4. Uso intensivo do poder naval e aéreo como ferramentas de presença global;

  5. Clareza estratégica quanto às áreas de interesse vital dos EUA.

No hemisfério ocidental, a NSS é inequívoca: as Américas são tratadas como espaço prioritário de segurança nacional, onde a presença de potências extrarregionais é vista como inaceitável, o que vem sendo interpretado como uma nova leitura da Doutrina Monroe.


III. América Latina e a Venezuela como “Laboratório Estratégico”

A Venezuela ocupa uma posição singular na estratégia dos EUA. Detentora das maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, localizada em uma região estratégica do Caribe e profundamente integrada a redes de criminalidade transnacional, o país converteu-se, ao longo dos últimos anos, em um ponto de convergência de interesses russos, chineses e iranianos.

Sob a ótica de Washington, a Venezuela representa:

  • um desafio político-ideológico, ao sustentar um regime hostil aos EUA;

  • um risco de segurança, devido à presença de atores extrarregionais;

  • um exemplo dissuasório, capaz de sinalizar custos elevados a outros países da região.

A estratégia estadunidense, portanto, em nossa análise, não visa apenas uma mudança de regime, mas sim testar instrumentos de pressão combinada — sanções, isolamento diplomático, operações de informação e presença naval — que possam ser replicados em outros contextos hemisféricos.


IV. China, Rússia e Irã: A Disputa pelas Américas

A presença de China, Rússia e Irã na América Latina constitui um dos principais motivadores da atual postura dos EUA. A China atua principalmente por meio de investimentos, crédito e infraestrutura; a Rússia, por cooperação militar e simbologia estratégica; e o Irã, por redes informais e conexões com atores não estatais.

No caso venezuelano, essa convergência torna-se particularmente sensível. Para Washington, permitir que tais atores consolidem posições duradouras no Caribe equivaleria a aceitar uma erosão direta da Doutrina Monroe, ainda que esta não seja mais explicitamente mencionada nos discursos oficiais.


V. Novas Alianças, Defesa Compartilhada e Benefícios Geoeconômicos

Um dos aspectos mais característicos da estratégia de Trump é a redefinição das alianças sob lógica transacional. Os EUA não abandonam seus parceiros, mas condicionam o apoio à contribuição efetiva — financeira, militar e industrial.

Nesse contexto, a venda de armamentos estadunidenses surge como um instrumento duplo: fortalece aliados e, simultaneamente, impulsiona a base industrial de defesa dos EUA. Alinhar-se à estratégia de Washington, portanto, passa a gerar benefícios geoeconômicos claros, enquanto o desalinhamento impõe custos crescentes. Um exemplo disso é a Argentina, no governo de Milei.


VI. A Diplomacia Naval dos Estados Unidos contra a Venezuela

A diplomacia naval ocupa um lugar central na estratégia estadunidense em relação à Venezuela. Conforme demonstrado no nosso artigo "A Força Naval como um instrumento da diplomacia: Diplomacia das Canhoneiras e Diplomacia Naval", disponível em https://www.atitoxavier.com/post/a-força-naval-como-um-instrumento-da-diplomacia-diplomacia-das-canhoneiras-e-diplomacia-naval, o emprego do poder naval em tempos de paz é uma prática histórica de Estados que buscam influenciar o comportamento de outros atores internacionais.

No caso venezuelano, os EUA combinam elementos de Diplomacia das Canhoneiras — coerção e demonstração de força — com instrumentos mais amplos de Diplomacia Naval, como:

  • presença naval contínua no Caribe;

  • exercícios militares com aliados regionais;

  • operações de interdição marítima;

  • patrulhas associadas ao combate ao narcotráfico, mas com forte dimensão geopolítica.

Essas ações não visam necessariamente o conflito armado, mas sim a comunicação estratégica, sinalizando capacidade, disposição e limites. A Venezuela, nesse sentido, torna-se um espaço privilegiado para demonstrar como os EUA pretendem exercer sua influência naval no hemisfério.


VII – A Estratégia dos Estados Unidos à Luz do Método Integrado de Análise Geopolítica (MIAG): A Venezuela como Laboratório Hemisférico

A compreensão plena da estratégia de segurança nacional dos EUA no governo Donald Trump exige uma abordagem analítica que vá além da descrição de políticas, documentos e ações isoladas. Nesse sentido, o Método Integrado de Análise Geopolítica (MIAG) oferece uma estrutura particularmente adequada para interpretar a lógica subjacente às decisões estratégicas de Washington, especialmente no que se refere à América Latina e, de modo específico, à Venezuela.

Ao aplicar as cinco dimensões centrais do MIAG — espaço, tempo, força, risco geopolítico e inteligência estratégica — torna-se possível perceber que a política estadunidense em relação à Venezuela não é episódica nem reativa. Ao contrário, trata-se de uma estratégia deliberada, integrada e experimental, na qual o país sul-americano funciona como um ambiente controlado de teste para instrumentos de poder que podem ser empregados em outros contextos regionais ou globais.

Logo, a aplicação do MIAG revela que a Venezuela ocupa um papel estratégico que extrapola sua dimensão nacional. Ela converte-se em um nó geopolítico, onde convergem interesses espaciais, temporais, militares, econômicos, simbólicos e informacionais. A seguir, apresenta-se um quadro-síntese que relaciona cada dimensão do MIAG ao caso venezuelano, facilitando a visualização integrada da análise.

Quadro-Síntese – Aplicação do MIAG ao Caso Venezuelano na Estratégia dos EUA

Dimensão do MIAG

Elementos Analíticos Centrais

Aplicação ao Caso Venezuelano

Interpretação Estratégica

Espaço

Localização geopolítica, domínio de ambientes (marítimo, aéreo, informacional), áreas de influência

Venezuela situada no Caribe, próxima a rotas marítimas estratégicas e ao entorno do Canal do Panamá; forte dependência do espaço marítimo

Uso do domínio naval para controle indireto do espaço hemisférico e contenção de potências extrarregionais

Tempo

Ciclos estratégicos, desgaste, janelas de oportunidade, persistência

Pressão prolongada por meio de sanções, isolamento diplomático e presença naval contínua

Estratégia de erosão progressiva, evitando soluções rápidas e apostando no desgaste estrutural do regime

Força

Emprego das expressões do Poder Nacional: como: Projeção de poder, coerção econômica, dissuasão, integração de meios militares e não militares.

Presença naval constante, exercícios militares, sanções econômicas e pressão política

Demonstração de superioridade incontestável sem escalada para conflito armado direto

Risco Geopolítico

Ameaças, vulnerabilidades, capacidade de mitigação e efeitos regionais

Presença de China, Rússia e Irã; instabilidade regional; criminalidade transnacional

Tratamento da Venezuela como risco controlável e exemplar, cuja gestão sinaliza limites a outros atores

Inteligência Estratégica

Aprendizado, antecipação, leitura de reações, ajuste de instrumentos

Observação das respostas de adversários globais, aliados regionais e organismos internacionais

Uso do caso venezuelano como fonte ativa de aprendizado estratégico e calibração de políticas

Análise Integrada das Dimensões

Sob a ótica do espaço, a Venezuela é estratégica menos por sua realidade interna e mais por sua posição geográfica no hemisfério ocidental. O domínio marítimo exercido pelos EUA no Caribe permite um cerco indireto, no qual a diplomacia naval atua como instrumento de controle espacial e de comunicação estratégica, sem a necessidade de ocupação territorial ou confronto direto.

Na dimensão do tempo, observa-se uma clara opção pela coerção prolongada. O governo Trump não busca soluções rápidas ou negociações de longo prazo, mas sim a exploração do desgaste contínuo, apostando que a persistência das pressões reduzirá progressivamente a capacidade de manobra do regime venezuelano e de seus parceiros externos.

A força, no MIAG, manifesta-se de forma integrada. Ela não se limita ao poder militar, embora a presença naval seja central, mas combina sanções econômicas, isolamento diplomático e demonstrações simbólicas de poder. Trata-se de uma força calibrada para ser visível, crível e politicamente comunicável.

Quanto ao risco geopolítico, a Venezuela é percebida pelos EUA como um foco de risco administrável. A estratégia não visa eliminar todas as ameaças, mas conter sua expansão, elevar os custos da presença extrarregional e evitar que o caso venezuelano se transforme em um precedente replicável por outros Estados latino-americanos.

Por fim, na dimensão da inteligência estratégica, o caso venezuelano funciona como um verdadeiro laboratório. Washington observa, testa e ajusta seus instrumentos a partir das reações de China, Rússia, Irã, países da região e organismos multilaterais. Esse processo contínuo de aprendizado reforça a natureza experimental da estratégia adotada.

Portanto, a aplicação do MIAG demonstra que a estratégia de segurança nacional dos EUA no governo Donald Trump é coerente, integrada e intencional. A Venezuela não é apenas um problema regional a ser resolvido, mas um instrumento estratégico por meio do qual os estadunidenses reafirmam sua primazia hemisférica, testam mecanismos de coerção e enviam sinais claros sobre os limites de atuação de potências rivais nas Américas.


Conclusão

A análise da estratégia de segurança nacional dos EUA no governo Donald Trump revela uma mudança clara de paradigma: o retorno explícito à política de poder, à definição de esferas de influência e à utilização combinada de instrumentos militares, econômicos e diplomáticos.

A Venezuela emerge, nesse contexto, como um laboratório estratégico, no qual Washington testa e aperfeiçoa mecanismos de coerção e dissuasão aplicáveis ao hemisfério ocidental. A diplomacia naval, em particular, consolida-se como um instrumento central dessa estratégia, permitindo aos EUA influenciar, dissuadir e comunicar intenções sem recorrer diretamente ao conflito armado.

Outrossim, a Venezuela, à luz do MIAG, deixa de ser apenas um problema regional e passa a ser compreendida como um instrumento estratégico da política de poder dos EUA. O verdadeiro público-alvo da estratégia estadunidense não é apenas Caracas, mas Pequim, Moscou, Teerã e, de forma mais ampla, todo o hemisfério americano.

Nesse cenário, a análise demonstra que a estratégia do governo Donald Trump não é improvisada, mas experimental, integrada e orientada para a redefinição clara das esferas de influência no século XXI. Nesse sentido, o caso venezuelano oferece uma chave interpretativa privilegiada para compreender os rumos da geopolítica contemporânea nas Américas.

Para a América Latina, esse cenário impõe desafios significativos. A região volta a ocupar um lugar central na disputa entre grandes potências, exigindo dos Estados locais maior clareza estratégica, capacidade de leitura geopolítica e definição de interesses nacionais. Ignorar essa dinâmica significa aceitar passivamente decisões tomadas fora do hemisfério.

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Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:

Matéria de 18/12/2025:

Matéria de 05/12/2025:


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