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A Guerra Irregular no Mar: possibilidade de emprego pelo Brasil?


Figura disponível em https://irregularwarfare.org/wp-content/uploads/2023/11/Cod-Wars.jpeg

Esse é um tema bastante complexo, que ainda requer bastante estudo e análise, e por isso se revela necessário que seja debatido pelas Marinhas de Guerra, em virtude das rápidas transformações que o mundo vem passando, com conflitos que têm apresentado inovações táticas e tecnológicas, bem como pela guerra de narrativas que tem ficado mais profissional e com isso impactando fortemente na opinião pública local e internacional, permitindo que, em certas situações, o mais fraco possa fazer frente ao mais forte.

Nesse sentido, começaremos pela definição de Guerra Irregular - GI, constante na publicação do Ministério da Defesa brasileiro intitulada "Doutrina Militar de Defesa" - MD51-M-04, de 09 de fevereiro de 2007, que pode ser acessada em https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/File/legislacao/emcfa/publicacoes/md51a_ma_04a_doutrinaa_militara_dea_defesaa_2aa_ed2007.pdf:


"Conflito armado executado por forças não-regulares ou por forças regulares empregadas fora dos padrões normais da guerra regular, contra um governo estabelecido ou um poder de ocupação, com o emprego de ações típicas da guerra de guerrilhas. Divide-se em: a) Guerra Insurrecional Conflito armado interno, sem apoio de uma ideologia, auxiliado ou não do exterior, em que parte da população empenha-se contra o governo para depô-lo ou obrigá-lo a aceitar as condições que lhe forem impostas; b) Guerra Revolucionária Conflito armado interno, geralmente inspirado em uma ideologia e auxiliado ou não do exterior, que visa à conquista do poder pelo controle progressivo da nação; e c) Guerra de Resistência Conflito armado em que nacionais de um país ocupado por outro país ou coligação de países, total ou parcialmente, lutam contra o poder de ocupação para restabelecer a soberania e a independência preexistentes."


Na publicação do Departamento de Defesa dos EUA conhecido como "Irregular Warfare (IW) Joint Operating Concept (JOC)", de 11 de setembro de 2007, disponível em https://www.jcs.mil/Portals/36/Documents/Doctrine/concepts/joc_iw_v1.pdf , apresenta, em nossa visão, um conceito mais abrangente. Convém mencionar que foi elaborada após o atentado de 11 de setembro de 2001, extamente 6 anos depois:


Irregular warfare (IW) is defined as a violent struggle among state and nonstate actors for legitimacy and influence over the relevant populations. IW favors indirect and asymmetric approaches, though it may employ the full range of military and other capabilities, in order to erode an adversary’s power, influence, and will. It is inherently a protracted struggle that will test the resolve of our Nation and our strategic partners.

Our adversaries will pursue IW strategies, employing a hybrid of irregular, disruptive, traditional, and catastrophic capabilities to undermine and erode the influence and will of the United States and our strategic partners. Meeting these challenges and combating this approach will require the concerted efforts of all available instruments of US national power.


Em 2020, os EUA apresentaram, na publicação "National Defence Strategy", em seu anexo sobre Guerra Irregular, uma definição de GI muito similar a de 2007, que pode ser lida em https://media.defense.gov/2020/Oct/02/2002510472/-1/-1/0/Irregular-Warfare-Annex-to-the-National-Defense-Strategy-Summary.PDF:


Irregular warfare is a struggle among state and non-state actors to influence populations and affect legitimacy. IW favors indirect and asymmetric approaches, though it may employ the full range of military and other capabilities, in order to erode an adversary’s power, influence, and will. It includes the specific missions of unconventional warfare (UW), stabilization, foreign internal defense (FID), counterterrorism (CT), and counterinsurgency (COIN). Related activities such as military information support operations, cyberspace operations, countering threat networks, counter-threat finance, civil-military operations, and security cooperation also shape the information environment and other population-focused arenas of competition and conflict.

State adversaries and their proxies increasingly seek to prevail through their own use of irregular warfare, pursuing national objectives in the competitive space deliberately below the threshold likely to provoke a U.S. conventional response. China, Russia, and Iran are willing practitioners of campaigns of disinformation, deception, sabotage, and economic coercion, as well as proxy, guerrilla, and covert operations. This increasingly complex security environment suggests the need for a revised understanding of IW to account for its role as a component of great power competition.

It is in this competitive space that the Department must innovate. We must creatively mix our traditional combat power with proactive, dynamic, and unorthodox approaches to IW that can shape, prevent, and prevail against our nation’s adversaries and maintain favorable regional balances of power alongside our key partners and allies.


Dessa forma, nos conceitos acima verificamos que estão envolvidos um adversário, a população e as estratégias de aproximação indireta. Logo, podemos tecer algumas breves considerações:

  • o uso da Comunicação Social ganha cada dia mais relevância, pois estamos vivendo num mundo VUCA e BANI ao mesmo tempo, ou seja, um mundo extremamente volátil e cuja velocidade das informações é um desafio para os analistas, permitindo com que a verdade e as manipulações sejam difícieis de se separar. Assim, recomendamos a leitura do artigo "O Conflito da Ucrânia: a importância da Comunicação Social nos conflitos armados", de 14 de agosto de 2022, acessível em https://www.atitoxavier.com/post/o-conflito-da-ucrânia-a-importância-da-comunicação-social-nos-conflitos-armados;

  • o mais fraco ao adotar a GI irá se valer ao máximo de táticas que explorem a iniciativa, surpresa, comando descentralizado e flexibilidade de planejamento; e

  • será adotado sempre por um Estado mais fraco, sendo a única saída contra um oponente mais forte.


Em nossa percepção, ao olharmos os conceitos apresentados, nos remetemos mais aos ambientes terrestre e cibernético, em que pese o conceito estadunidense, por ser mais amplo, nos permitir visualizar melhor o envolvimento dos demais ambientes de guerra.

Não podemos esquecer a importância da contribuição de uma Força Naval na condução da GI, como operações psicológicas, inserção de forças especiais, dentre outras operações.

Assim, o objetivo do artigo é tentar fomentar uma análise sobre a Guerra Irregular no Mar, pois em várias de nossas análises, que constam nos nossos artigos que estão nas Seções Brasil (https://www.atitoxavier.com/my-blog/categories/brasil) e Poder Naval (https://www.atitoxavier.com/my-blog/categories/poder-naval), consideramos a nossa fronteira oriental - Atlântico Sul - a maior vulnerabilidade à defesa brasileira.

Portanto, á luz do que apresentamos até o momento, principalmente que a GI será sempre adotada por um Estado militarmente mais fraco, apresento a seguinte questão para reflexão: Poderemos empregar a Guerra Irregular no Mar contra um adversário com Poder Naval superior?

Decorrente desse questionamento, imediatamente, vem outro e que não será abordado no presente artigo: "Como o Estado democrático brasileiro empregaria a GI sem ferir as leis, convenções e normas nacionais e internacionais ratificadas pelo Poder Político?"

Nesse contexto, faz-se necessário ter uma ideia sobre o que seria a Guerra Irregular no Mar. Assim, apresentaremos duas definições oriundas dos EUA, sendo uma da Navy Irregular Warfare Office - NIWO e outra da RAND Corporation:


  • NIWO:

IW emphasizes the use of indirect, non-conventional methods and means to subvert, attrite, and exhaust an adversary, or render irrelevant, rather than defeat him through conventional military confrontation (fonte: https://www.jstor.org/stable/10.7249/mg1127navy.9?seq=6)


  • RAND:

we define Maritime Irregular Warfare - MIW as operations involving at least one irregular actor or tactic that aim to shape the maritime environment in at least one of three ways: (1) to prevent supplies or personnel support from reaching an adversary, (2) to increase the capacity of partner naval and maritime forces, or (3) to project tailored U.S. power ashore to directly confront adversary forces, when necessary. (fonte: https://www.rand.org/pubs/monographs/MG1127.readonline.html)


Em nossa análise, elas se complementam e, assim, inferimos que ainda carece de uma definição que oriente melhor a condução da Guerra Irregular no Mar.

Nesse contexto, apresentaremos rapidamente as Guerras do Bacalhau ou Cod Wars, que foram uma série de confrontações, nos períodos de 1958–1961, 1972–73 e 1975–76, entre dois países que eram aliados: a Islândia, com os seus navios da Guarda Costeira, e o Reino Unido, com os seus navios de pesca e Marinha de Guerra, em que os islandeses obtiveram êxito no tocante as suas reivindicações marítimas, ou melhor, um Estado com Poder Naval inferior conseguiu prevalecer, operando abaixo do limite do conflito de alta intensidade, sobre outro com poder superior.

Dessa forma, o artigo "The Cod Wars and Lessons for Maritime Counterinsurgency", da Revista Proceedings de fevereiro de 2023, disponível em https://www.usni.org/magazines/proceedings/2023/february/cod-wars-and-lessons-maritime-counterinsurgency, considerou este evento como uma referência de estudo sobre a contrainsurgência marítima, pois a Islândia, por meio de apresentação de dilemas para os britânicos, conseguiu impor a sua vontade. Do evento dois importantes ensinamentos foram obtidos: a relevância da vontade de lutar e a resistência a coerção.

Logo, o estudo desse conflito seria bem interessante para a Marinha do Brasil, pois no futuro poderemos ter uma contestação em relação a Elevação do Rio Grande como apresentamos no artigo "Elevação do Rio Grande: oportunidade e vulnerabilidade para o Brasil. Parte II", de 29 de abril de 2023, que pode ser lida em https://www.atitoxavier.com/post/elevação-do-rio-grande-oportunidade-e-vulnerabilidade-para-o-brasil-parte-ii, ainda mais quando o nosso Poder Naval está ficando fragilizado, conforme analisamos na série de artigos "Como planejar uma Marinha de Guerra? Tema para reflexão da sociedade", em suas Partes I, II e III, bem como no artigo "A Regra dos Três serve para o nosso Poder Naval?", que podem ser lidos na Seção Poder Naval.

É digno de nota que no passado, durante as Operações TROPICALEX, os meios da Esquadra brasileira ao se dirigirem para a região nordeste sofriam "ataques" simulados pelos navios distritais, que por vezes obtinham êxito. Na ocasião, os Navios Patrulha, ficticiamente armados com mísseis, navegavam próximos aos navios de pesca, tornando difícil a compilação do quadro tático por parte do Grupo Tarefa formado por navios maiores.

Portanto, as ações dos Comandantes dos Navios distritais estavam diretamente relacionadas com duas conclusões que apresentamos anteriormente:

  • o mais fraco ao adotar a GI irá se valer ao máximo de táticas que explorem a iniciativa, surpresa, comando descentralizado e flexibilidade de planejamento; e

  • será adotado sempre por um Estado mais fraco, sendo a única saída contra um oponente mais forte.

Além disso, estavam implícitos a vontade de lutar e a resistência a uma possível coerção

Com base no exposto, apresentamos uma definição, cunhada por nós, que poderia contribuir com a Marinha do Brasil sobre Guerra Irregular no Mar:


"Conflito que envolva estratégias de aproximação indireta, táticas convencionais e não convencionais contra um adversário com Poder Naval superior e em apoio as operações terrestres, cujo apoio da maioria da opinião pública nacional e internacional é fundamental para legitimar as ações, e, assim, criar dilemas que coloquem o oponente na defensiva, impondo, dessa forma, a nossa vontade."

O Blog é de opinião que deve ser dada a devida importância ao estudo do tema, em virtude da vulnerabilidade da nossa fronteira oriental, bem como devido a obsolescência e a futura diminuição do nosso Poder Naval.

Outrossim, países com Poder Militar superior ao nosso já fazem estudos e desenvolvem estratégias para fazer frente a GI no Mar.

Logo, devemos encarar a condução da Guerra Irregular no Mar como uma real possibilidade.

Qual a sua opinião?

Seguem alguns vídeos para ajudar a nossa análise:

Matéria de 24/11/2019 (pode colocar legendas em português):

Matéria de 24/03/2022 (pode colocar legendas em portugês):

Matéria de 26/06/2019 (inicia no minuto 7:30):






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