A energia sempre esteve ligada ao desenvolvimento das sociedades, e podemos ver ao longo da história que a cada desenvolvimento tecnológico teve como consequência a procura por novas fontes de energia, como carvão, petróleo, urânio e gás, visando suprir as necessidades cada vez mais prementes dos Estados.
Sendo assim, os Estados procuram garantir as suas seguranças energéticas e dinamizar as suas economias. Para tanto, eles usam a sua expressão militar para garantir o seu fluxo logístico.
Nesse sentido, essa necessidade energética moldou e ainda influencia o relacionamento entre os povos, onde o período colonial deixou marcas indeléveis, até os dias de hoje em vários países, principalmente nos africanos.
Dessa forma, vimos surgir a Geopolítica Energética que pode ser entendida como a estratégia adotada pelos Estados na disputa pela autossuficiência de energia, tendo um peso relevante no surgimento de tensões, crises e conflitos entre os Estados, impactando na Geopolítica Mundial. Além disso, ela torna-se estratégica para a Segurança, Defesa e Desenvolvimento Nacionais.
Convém mencionar que os constantes desenvolvimentos tecnológicos e o aumento do bem estar das sociedades demandam um maior consumo energético. Assim, verifica-se que um maior desenvolvimento econômico mundial acarreta um maior consumo desses recursos energéticos em curto prazo, o que pode desencadear problemas de amplo espectro entre os países.
Assim, essa disputa pela autossuficiência energética está intimamente relacionada aos saltos tecnológicos e descobertas de novas fontes de energia, e que vimos em vários períodos da história, como a Primeira Revolução Industrial.
Com isso, é possível observar várias transições energéticas no decorrer da história. Atualmente estamos no período da Geopolítica do Petróleo que está em transição para as energias alternativas. Essa transição deve-se a necessidade de diminuir a dependência do combustível fóssil, bem como a Emergência Climática, o que vem dinamizando um novo desenvolvimento tecnológico.
Entretanto, nesse período de transição energética que o mundo está atravessando, o gás, em que pese ser um combustível fóssil, vem ganhando destaque e importância em virtude de ser menos poluente que o carvão e o petróleo.
Atento a importância da Geopolítica Energética, o Blog vem acompanhando o tema, por meio de vários artigos, e criou uma seção específica sobre o assunto, que pode ser acessada em https://www.atitoxavier.com/my-blog/categories/geopol%C3%ADtica-energ%C3%A9tica. Recomendamos a leitura dos artigos constantes nessa Seção para auxiliar na compreensão da relação entre a Geopolítica Energética e a Emergência Climática.
Nesse contexto, na recente crise entre a Rússia e a Ucrânia, e que envolve a OTAN, é possível observar a influência da Geopolítica Energética, conforme os artigos do pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro Luis Augusto Medeiros Rutledge*, intitulado "A Guerra Fria Esquentou" e "Abastecimento Energético da União Europeia", disponíveis, respectivamente, no Blog nos links https://de9abb8c-83aa-4859-a249-87cfa41264df.usrfiles.com/ugd/de9abb_07f617dbe44f40a1b6fc45aaf93d923a.pdf e
https://de9abb8c-83aa-4859-a249-87cfa41264df.usrfiles.com/ugd/de9abb_7167d3f89b76438480abb48179542cfc.pdf, em que nos diz:
"Interessante observar que à medida que a tensão foi crescendo nos últimos dias, com o envio de tropas americanas para a Polônia e Romênia para uma perspectiva de uma invasão russa à Ucrânia, o suprimento de gás natural à Europa ficou em segundo plano."
"Estamos acompanhando um momento crítico para o abastecimento energético europeu, onde um conflito bélico poderá afetar drasticamente o fornecimento e preços de mercado de diversas commodities, em particular gás natural. Neste momento voltamos a refletir sobre o grau de dependência e vulnerabilidade no suprimento energético de cada região do globo [...] Portanto, a energia que gira o mundo também pode impedir ou iniciar conflitos. E, dependendo dos conflitos, a fonte energética de uma nação pode sofrer mudanças a longo prazo."
Nesse sentido, podemos ver o uso da energia como forma de coerção, ou seja, a fonte energética é usada como uma arma contra os seus oponentes, bem como ratifica a percepção do Blog sobre o surgimento de crises, tensões e conflitos motivados pela necessidade energética.
É digno de nota que a Rússia é a principal fornecedora de gás para a Europa, que possui uma grande dependência dessa fonte, ainda mais no inverno, conforme abordamos no nosso artigo "Crise da Ucrânia: laboratório para a problemática de Taiwan", acessível em https://www.atitoxavier.com/post/crise-da-ucrânia-laboratório-para-a-problemática-de-taiwan, em que o conflito não é interessante para os europeus, pois são muito dependentes do gás russo, e cujo corte no fornecimento terá um grande impacto nas populações europeias.
Além disso, não há uma solução a curto prazo para mitigar essa dependência europeia do gás russo, e a Rússia já possui um novo grande consumidor para o seu gás que é a China, por meio dos oleodutos Força Sibéria, o que agrava a problemática para os europeus.
Ressalta-se que a crise ucraniana vem acontecendo no período em que o mundo enfrenta uma crise energética de grandes proporções que vem sendo causada pela recuperação econômica advinda da pandemia, que requer mais energia, e potencializada pela necessidade de diminuir as emissões dos gases que causam o aquecimento global, bem como pela mudança climática no mundo.
Esses fatores contribuíram diretamente para a grande elevação do preço do gás no cenário internacional, pois como dissemos anteriormente, essa fonte de energia é a principal nesse período de transição energética que estamos passando. Esse fato aumenta o dilema da OTAN em relação aos russos.
Esse quadro mostra de forma inequívoca a necessidade dos Estados diversificarem as suas matrizes energéticas com o intuito de diminuírem a dependência externa de energia, aumentando as suas autossuficiências.
No nosso artigo "A Emergência Climática e os seus possíveis impactos na Geopolítica Mundial. Parte II: Conflitos.", que pode ser lido em https://www.atitoxavier.com/post/a-emergência-climática-e-os-seus-possíveis-impactos-na-geopolítica-mundial-parte-ii-conflitos, falamos que em nossos estudos e análises sobre os impactos da mudança do clima em diversos países, temos observado um aumento da tensão interna, em virtude da diminuição de áreas agriculturáveis com o aumento da desertificação, levando a conflitos internos, notadamente na África, como a Nigéria e outros países do Sahel africano. Tais conflitos têm sido potencializados pela pandemia da COVID-19, aumentando o caos social, e que as áreas citadas no artigo que estão vivenciando, de forma mais evidente, a mudança climática possuem em comum: governos instáveis, crises humanitárias, elevada migração, disputas entre agricultores e criadores de animais por terra fértil, aumento de grupos insurgentes, incremento da violência interna, insegurança alimentar. Tais elementos possuem o efeito de provocar possíveis choques entre países vizinhos. Além disso, esse ambiente instável favorece o aparecimento de movimentos armados insurgentes (podemos tomar como exemplo o Mali) e que podem se espraiar pela região, bem como os conflitos podem transbordar para outros países. Não podemos esquecer o impacto da Emergência Climática no Ártico que mudará a geopolítica mundial, pois com a diminuição da calota polar e o aumento da navegabilidade, essa área tem sido alvo de interesse sino-russo, e de preocupação para a OTAN, incrementando a militarização do local. Nesse cenário, podemos compreender porque tanto a OTAN quanto os EUA têm inserido a Emergência Climática em suas estratégias militares e estão preparando e adaptando as suas forças para atuarem num ambiente operacional que está em contínua transformação, bem como consideram essa problemática como uma ameaça a segurança e a paz internacionais.
Nesse quadro, as energias alternativas vêm ganhando destaque no mundo, inclusive no nosso país, como a energia do futuro. Com isso, temos observado grandes somas de recursos financeiros sendo investidas nessas fontes de energia, principalmente nas renováveis, sinalizando que a transição energética, que estamos vivenciando, caminha para elas.
Dentre elas, o hidrogênio "verde", que é produzido por meio de fontes renováveis, poderá mudar totalmente a Geopolítica Energética no futuro, e diminuir o protagonismo dos Estados detentores de grandes reservas de combustíveis fósseis, iniciando uma nova era mundial.
O Blog é de opinião de que a Geopolítica Energética não pode ser dissociada da Emergência Climática, e que ambas são causadoras de tensões, crises e conflitos no cenário internacional. Dessa forma, ambas devem ser tratadas de forma estratégica pelos Estados, inclusive na área de Defesa, tendo como foco a diversificação das suas matrizes energéticas. Destarte, o planejamento estatal de médio e longo prazos nessa diversificação é condição fundamental para a Segurança, Defesa e Desenvolvimentos Nacionais.
Outrossim, é importante registrar que as disputas por gás irão aumentar nesse período de transição energética, fazendo com que os Estados que sejam grandes produtores e exportadores tenham um grande protagonismo na Geopolítica Mundial.
Qual a sua opinião?
Seguem alguns vídeos para ajudar em nossas análises:
Matéria de 07/10/2021:
Matéria de 21/01/2022:
Matéria de 06/12/2021:
Matéria de 07/10/2021:
* Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e pesquisador da UFRJ, atuando há 15 anos em projetos desenvolvidos pela PETROBRAS e UFRJ na área de estudos de fluidos de reservatórios offshore. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Escola Politécnica da UFRJ, onde se especializou em geopolítica energética. Atualmente escreve análises de geopolítica do petróleo, gás e energia, e é colaborador do Blog.
Comments