A Guerra do Futuro Já Chegou? Parte III - o uso dos drones nas Guerras Atuais e suas perspectivas futuras.
- Alexandre Tito Xavier
- 1 de out.
- 9 min de leitura

Fonte: IA
Introdução
O século XXI tem sido marcado por uma transformação acelerada no campo militar. A ascensão dos drones — ou veículos aéreos não tripulados (VANTs) — deixou de ser mera curiosidade tecnológica para se converter em vetor decisivo nas guerras contemporâneas. Em diferentes cenários, da Síria à Ucrânia, do Iêmen ao Mar Negro, essas plataformas provaram que podem redefinir a lógica da superioridade militar, tanto em confrontos assimétricos quanto em guerras convencionais.
Segundo Michael J. Boyle, em The Drone Age, os drones devem ser compreendidos não apenas como ferramentas técnicas, mas como símbolos de uma transformação mais ampla, que conecta tecnologia, política e estratégia. Sua difusão tem implicações na forma como os Estados projetam poder, como controlam territórios e como interagem com adversários e populações civis.
O Blog, por meio de Xavier, em diversos artigos, tem chamado atenção para o fato de que “a guerra do futuro já chegou”. Nos textos A Guerra do Futuro Já Chegou e A Guerra do Futuro Já Chegou – Parte II, ele ressalta que o uso de drones não é mais uma promessa distante, mas uma realidade que impõe novos desafios estratégicos. Em A Revolução 4.0 e os Impactos nos Setores de Defesa, observa que a fusão entre inteligência artificial, automação e big data potencializa exponencialmente a utilidade militar dos drones, transformando-os em sistemas cognitivos capazes de operar de forma cada vez mais autônoma.
O relatório da RAND, ao analisar tendências em sistemas autônomos, reforça que enxames de drones podem sobrecarregar defesas tradicionais, introduzindo a lógica da saturação e impondo custos assimétricos ao adversário. Já o estudo do China Aerospace Studies Institute (CASI) mostra como o Exército de Libertação Popular (PLA) da China explora conceitos de “guerra em bando de gansos” ou “enxame de abelhas”, sinalizando uma aposta estratégica no emprego em larga escala de sistemas não tripulados.
Este artigo tem como objetivo analisar o papel atual dos drones nas guerras contemporâneas e suas perspectivas futuras, estruturando a discussão em oito capítulos temáticos. A análise parte da evolução histórica, passa pela consolidação em conflitos recentes, examina a integração com a Revolução 4.0, discute o impacto no poder naval, apresenta os conceitos emergentes de enxames e operações homem-máquina, reflete sobre dilemas éticos e jurídicos e, por fim, projeta cenários futuros.
As referências utilizadas para a elaboração deste artigo estão relacionadas ao final e recomendamos a leitura para uma melhor contextualização do leitor.
1 - A evolução histórica dos drones militares:
A) Primeiros experimentos e usos embrionários
O uso de veículos não tripulados não é recente. Durante a Primeira Guerra Mundial, já se testavam protótipos rudimentares de aeronaves controladas remotamente, ainda que com alcance e precisão limitados. Na Segunda Guerra Mundial, os nazistas desenvolveram o V-1, uma bomba voadora que pode ser considerada precursora dos mísseis de cruzeiro. Os aliados também testaram drones de treinamento e aviões carregados de explosivos guiados remotamente para missões suicidas.
O período pós-guerra testemunhou a evolução dos drones como alvos de treinamento para sistemas antiaéreos. Contudo, faltavam ainda tecnologias de comunicação e de controle confiáveis que permitissem seu uso mais amplo.
B) A era pós-Guerra Fria e o advento dos UAVs estratégicos
Com o fim da Guerra Fria e os avanços em satélites, sensores e telecomunicações, os drones ganharam nova relevância. Os EUA lideraram essa revolução, especialmente com o desenvolvimento do MQ-1 Predator, utilizado a partir da década de 1990 para missões de reconhecimento.
O conflito nos Bálcãs, nos anos 1990, foi um campo de testes para esses novos sistemas. O Predator demonstrou o valor da vigilância em tempo real, fornecendo aos comandantes informações atualizadas do campo de batalha. Logo, a evolução tecnológica permitiu armar os drones com mísseis Hellfire, transformando-os em plataformas de ataque de precisão.
C) Da guerra ao terror à institucionalização dos drones
Os atentados de 11 de setembro de 2001 catalisaram a expansão do uso dos drones. Na chamada Guerra Global ao Terror, os EUA passaram a utilizar Unmanned Aerial Vehicle - UAVs armados em operações de assassinato seletivo contra líderes da Al-Qaeda e do Talibã no Afeganistão, Paquistão, Somália e Iêmen.
Esse uso intensivo consolidou a imagem do drone como instrumento de guerra remota. Se, por um lado, reduzia riscos para os militares estadunidenses, por outro, levantava críticas jurídicas e éticas quanto a violações de soberania e mortes de civis. Ainda assim, a institucionalização era irreversível: os drones tornaram-se parte central da doutrina de segurança estadunidense e inspiraram outros países a desenvolverem suas próprias versões.
2 - Os drones nas guerras contemporâneas:
A) O caso da Ucrânia
A guerra russo-ucraniana representa um marco no emprego de drones. A Ucrânia não apenas os utiliza em larga escala, mas criou uma Força de Sistemas Não Tripulados (Unmanned Systems Forces - USF), dedicada exclusivamente ao emprego de drones. Isso demonstra o grau de institucionalização dessa tecnologia.
Drones comerciais adaptados lançam granadas contra blindados, enquanto drones militares realizam ataques de longo alcance contra depósitos de munição e bases aéreas na Rússia. A saturação de defesas com enxames improvisados e a guerra psicológica contra soldados inimigos revelam o potencial assimétrico dessas ferramentas.
B) O Cáucaso e o impacto do Bayraktar TB2
O conflito de Nagorno-Karabakh, em 2020, destacou o papel decisivo do Bayraktar TB2, drone turco relativamente barato e versátil. O Azerbaijão utilizou-o para destruir blindados e sistemas antiaéreos armênios, garantindo superioridade aérea. O episódio demonstrou como países médios podem utilizar drones para alterar o equilíbrio regional.
C) O Oriente Médio e a guerra híbrida
No Oriente Médio, os drones são empregados em estratégias híbridas. Os Houthis, apoiados pelo Irã, utilizam drones para atacar infraestrutura crítica na Arábia Saudita, como instalações de petróleo, e até mesmo navios no Mar Vermelho. Israel também enfrenta ataques de drones do Hezbollah.
Esse cenário mostra que drones tornaram-se armas de dissuasão estratégica acessíveis a atores não estatais, desafiando potências regionais.
D) O uso por atores não estatais
O Estado Islâmico utilizou drones comerciais adaptados para lançar explosivos, documentar ataques e produzir propaganda. Esse uso criativo ilustra a democratização da tecnologia e o baixo custo de adaptação.
Esse fenômeno desafia as forças regulares, que precisam desenvolver contramedidas rápidas contra drones improvisados, ampliando a complexidade da guerra assimétrica.
3 – Drones e a Revolução 4.0 na defesa:
A) A lógica da Indústria 4.0 aplicada ao campo militar
A Revolução 4.0, marcada por automação, inteligência artificial e big data, não se restringe à esfera civil. Destacamos, no artigo "A Revolução 4.0 e os Impactos nos Setores de Defesa: a Corrida pela Supremacia Militar", que os drones se tornaram vetores centrais dessa transformação no setor de defesa.
B) Drones como sistemas cognitivos
Os drones deixam de ser apenas plataformas teleguiadas e passam a ser sistemas cognitivos. Equipados com algoritmos de aprendizado de máquina, são capazes de processar dados, identificar padrões e operar com maior autonomia. Essa evolução amplia sua eficácia em cenários complexos e imprevisíveis.
C) A corrida pela supremacia militar tecnológica
A disputa pela liderança tecnológica em drones reflete a nova corrida armamentista. EUA, China, Rússia, Turquia e Israel estão entre os principais protagonistas. A competição não é apenas por plataformas mais letais, mas pela integração com sistemas autônomos, inteligência artificial e operações conjuntas multidomínio.
4 – O impacto dos drones no ambiente marítimo:
A) Drones navais
As marinhas enfrentam um novo desafio: a proliferação de drones de superfície (Unmanned Surface Vehicle - USVs) e submarinos não tripulados (Unmanned Underwater Vehicle - UUVs). Essas plataformas podem realizar missões de patrulha, caça a minas, guerra antissubmarino e até ataques suicidas contra embarcações.
B) O caso ucraniano no Mar Negro
A Ucrânia utilizou drones navais para atacar navios russos, demonstrando o potencial disruptivo dessa tecnologia. Pequenas embarcações não tripuladas, baratas e de difícil detecção, desafiam navios de bilhões de dólares, criando uma assimetria estratégica no domínio marítimo.
C) Projeções para marinhas de águas azuis
Como argumentamos, no artigo "O Impacto da Guerra do Futuro nas Marinhas de Guerra: Necessidade de Pensar Alto", as marinhas precisam “pensar alto” e incorporar drones em sua doutrina, seja em missões de vigilância oceânica, seja em operações conjuntas com forças aéreas e terrestres. A integração de sistemas tripulados e não tripulados é inevitável para marinhas que desejam permanecer relevantes no século XXI.
5 – Enxames de drones e novas lógicas operacionais:
A) O conceito de guerra em enxame
A guerra em enxame consiste no uso massivo de drones coordenados para saturar as defesas inimigas. Em vez de depender da qualidade de poucos sistemas caros, a estratégia aposta na quantidade e na resiliência da rede.
B) Os modelos chineses
O PLA explora conceitos de “guerra em bando de gansos” (“goose flock warfare”), em que drones seguem uma lógica colaborativa, e “enxame de abelhas”, baseado em ataques de saturação. O conceito de “mothership warfare” prevê veículos-mãe lançando enxames de drones menores.

C) Autonomia, comando e controle
O estudo do CASI identifica quatro modelos de comando: centralizado, hierárquico, por consenso e emergente. O último, inspirado em comportamentos biológicos, busca máxima adaptabilidade em combate.
D) Contribuições da RAND
A RAND destaca que enxames podem impor custos desproporcionais ao adversário, mas também apresentam vulnerabilidades, como dependência de comunicações seguras e suscetibilidade a ataques eletrônicos.
6 – O homem e a máquina: operações integradas:
A) O conceito de manned-unmanned teaming (MUM-T)
A integração de drones com plataformas tripuladas amplia a eficácia operacional. Aeronaves tripuladas podem atuar como “cérebro”, enquanto drones executam tarefas de risco.
B) Experiências da OTAN e dos EUA
Os EUA investem no programa NGAD (Next Generation Air Dominance), que prevê caças de sexta geração operando com drones “loyal wingman”. Esses drones apoiam missões de ataque, reconhecimento e supressão de defesas. Tal uso de caças e de drones é conhecido como Collaborative Combat Aircraft (CCA).
C) O caso chinês
A China busca integrar drones em operações conjuntas, mas reconhece os limites da autonomia plena. O PLA argumenta que a “criatividade humana” ainda é insubstituível em comando e controle estratégico.
7 – Dilemas éticos, jurídicos e estratégicos:
A) Autonomia letal
O debate sobre armas autônomas letais (Lethal Autonomous Weapons Systems - LAWS) divide a comunidade internacional. Até que ponto é aceitável delegar a decisão de matar a algoritmos?
B) Direito internacional
O uso de drones em assassinatos seletivos levanta questões sobre violação de soberania e conformidade com o direito humanitário internacional.
C) Vulnerabilidades cibernéticas
Drones dependem de redes de comunicação, o que os torna vulneráveis a guerra eletrônica, interferência de GPS e ataques de hackers.
D) O custo estratégico da proliferação
A proliferação de drones acessíveis amplia o risco de seu uso por grupos terroristas e organizações criminosas transnacionais.
8 – Perspectivas futuras para o emprego de drones:
A) O campo de batalha multidomínio
O futuro da guerra será multidomínio, integrando terra, mar, ar, espaço e ciberespaço. Drones atuarão em todos esses ambientes.
B) Enxames inteligentes e guerra algorítmica
A próxima geração de drones será equipada com algoritmos capazes de aprender em tempo real e adaptar estratégias coletivas.
C) Drones no espaço
O espaço se consolida como nova fronteira. Como destacamos no artigo US Space Force: Propaganda Geopolítica ou Decisão Visionária, a disputa espacial incluirá drones orbitais e satélites autônomos.
D) O papel dos drones em guerras híbridas
Drones continuarão sendo instrumentos-chave em guerras híbridas, misturando ataques convencionais, sabotagem, terrorismo e operações de informação.
Conclusão
Os drones deixaram de ser acessórios e consolidaram-se como protagonistas da guerra contemporânea. Sua versatilidade os torna úteis em operações de vigilância, ataque, guerra psicológica e propaganda. Mais do que isso, simbolizam a transição para uma era em que a tecnologia, a inteligência artificial e a automação moldam a estratégia militar.
As guerras recentes mostram que drones podem alterar equilíbrios regionais, desafiar potências estabelecidas e democratizar o acesso a capacidades militares avançadas. O futuro aponta para enxames inteligentes, integração multidomínio e novas fronteiras no espaço.
Como concluímos, “a guerra do futuro já chegou”. Para Estados que buscam manter relevância estratégica, compreender, adaptar e inovar no emprego de drones não é apenas uma necessidade tática: é uma questão de sobrevivência.
Nesse sentido, nos parece que estamos nos aproximando da realidade apresentada no filme de ficção, de 2005, Stealth - Ameaça Silenciosa.
Referências:
BOYLE, Michael J. The Drone Age: How Drone Technology Will Change War and Peace. Oxford: Oxford University Press, 2020.
CHINA AEROSPACE STUDIES INSTITUTE (CASI). PLA Concepts of UAV Swarms and Manned-Unmanned Teaming. Washington, D.C.: Air University, 2025. Disponível em https://www.airuniversity.af.edu/Portals/10/CASI/documents/Research/Other-Topics/2025-04-21%20PLA%20Concepts%20of%20UAV%20Swarms%20and%20Manned-Unmanned%20Teaming.pdf?ver=DX_fUEHnazoQWBacTdFM4Q%3d%3d. Acesso em: 1 out. 2025.
RAND CORPORATION. Operational Concepts for Unmanned Aircraft Systems in Future Conflicts. Santa Monica: RAND Corporation, 2023. Disponível em: https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/research_reports/RRA2300/RRA2380-1/RAND_RRA2380-1.pdf. Acesso em: 1 out. 2025.
XAVIER, Alexandre Tito dos Santos. A Guerra do Futuro Já Chegou. Blog Tito-Geopolítica, 2023. Disponível em: https://www.atitoxavier.com/post/a-guerra-do-futuro-já-chegou. Acesso em: 1 out. 2025.
XAVIER, Alexandre Tito dos Santos. A Guerra do Futuro Já Chegou – Parte II. Blog Tito-Geopolítica, 2023. Disponível em: https://www.atitoxavier.com/post/a-guerra-do-futuro-já-chegou-parte-ii. Acesso em: 1 out. 2025.
XAVIER, Alexandre Tito dos Santos. A Revolução 4.0 e os Impactos nos Setores de Defesa: a Corrida pela Supremacia Militar. Blog Tito-Geopolítica, 2023. Disponível em: https://www.atitoxavier.com/post/a-revolução-4-0-e-os-impactos-nos-setores-de-defesa-a-corrida-pela-supremacia-militar. Acesso em: 1 out. 2025.
XAVIER, Alexandre Tito dos Santos. Guerra do Futuro: Devemos Olhar Adiante para nos Prepararmos e, com Isso, Devemos Sair da Caixa. Blog Tito-Geopolítica, 2023. Disponível em: https://www.atitoxavier.com/post/guerra-do-futuro-devemos-olhar-adiante-para-nos-prepararmos-e-com-isso-devemos-sair-da-caixa. Acesso em: 1 out. 2025.
XAVIER, Alexandre Tito dos Santos. O Impacto da Guerra do Futuro nas Marinhas de Guerra: Necessidade de Pensar Alto. Blog Tito-Geopolítica, 2023. Disponível em: https://www.atitoxavier.com/post/o-impacto-da-guerra-do-futuro-nas-marinhas-de-guerra-necessidade-de-pensar-alto-1. Acesso em: 1 out. 2025.
XAVIER, Alexandre Tito dos Santos. US Space Force: Propaganda Geopolítica ou Decisão Visionária? Espaço, a Nova Fronteira de Conflito. Blog Tito-Geopolítica. Disponível em: https://www.atitoxavier.com/post/us-space-force-propaganda-geopolítica-ou-decisão-visionária-espaço-a-nova-fronteira-de-conflito. Acesso em: 1 out. 2025.
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