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Tensões nos Bálcãs: Sérvia, Bósnia, Croácia e Kosovo diante do risco de um novo conflito.

Fonte: IA
Fonte: IA

Introdução


O espaço balcânico permanece como uma das regiões mais instáveis da Europa contemporânea. As guerras que marcaram a dissolução da antiga Iugoslávia entre 1991 e 1999 deixaram feridas profundas, tanto no plano material quanto no simbólico, cujos efeitos ainda moldam a política, a diplomacia e as percepções identitárias locais. A Sérvia, a Bósnia-Herzegovina, a Croácia e o Kosovo figuram no centro desse tabuleiro complexo, onde questões históricas, étnicas e religiosas continuam a gerar tensões, com potencial de se transformar em conflitos armados de diferentes intensidades.


Assim, o Blog vem acompanhando o cenário nessa região por meio de alguns de seus artigos que podem ser lidos na Seção Europa, disponível em https://www.atitoxavier.com/my-blog/categories/europa, cujas análises reforçam a noção de que a região vive um equilíbrio frágil, ameaçado por nacionalismos ressurgentes, pela competição de potências externas e pelo fracasso das instituições multilaterais em consolidar uma paz duradoura.

Assim, este artigo buscará analisar o espectro histórico e religioso da coexistência entre bósnios, sérvios e croatas, conectando-o à situação atual, e projetar cenários de um possível novo conflito nos Bálcãs, que por enquanto a mídia e alguns analistas têm dado pouca visibilidade.


1. Contexto histórico e étnico


A fragmentação da Iugoslávia nos anos 1990 abriu uma ferida profunda nos Balcãs. Os conflitos envolveram sérvios, croatas, bósnios e, mais tarde, albaneses do Kosovo, resultando em ondas de violência, deslocamentos forçados e traumas coletivos que ainda hoje moldam a política regional. Estima-se que mais de 2,4 milhões de pessoas tenham sido deslocadas apenas entre Croácia, Bósnia e Kosovo — números que revelam não apenas estatísticas, mas vidas desfeitas.

A Bósnia-Herzegovina, talvez o mosaico mais complexo da região, continua a ser o ponto onde religião, etnia e identidade nacional se cruzam. Três comunidades moldaram sua trajetória:

  • Bosníacos muçulmanos, herdeiros da conversão eslava durante o domínio otomano, cuja identidade se construiu entre o Islã europeu e a experiência moderna da secularização;

  • Sérvios ortodoxos, ligados espiritualmente à tradição bizantina e à Igreja Ortodoxa Sérvia, para quem a Bósnia é também parte da alma nacional; e

  • Croatas católicos, conectados à Roma e à Croácia vizinha, enxergando-se como parte do Ocidente latino.

Por séculos, essa tríade foi ambígua: em alguns momentos serviu de ponte cultural, em outros transformou-se em linha de fratura política.


Do século XX à guerra da Bósnia

Com a criação da Iugoslávia e, mais tarde, a ditadura socialista de Josip Broz Tito, as religiões foram empurradas para segundo plano em nome da “irmandade e unidade” nacional. A convivência cotidiana chegou a florescer — em Sarajevo, casamentos interétnicos eram comuns. Mas as identidades religiosas nunca desapareceram: estavam apenas adormecidas, esperando um gatilho político.

Nos anos 1990, com o colapso da Iugoslávia, elites nacionalistas reativaram essas diferenças como bandeira de mobilização. A religião tornou-se marcador de inimigo:

  • Sérvios ortodoxos diziam defender a cristandade contra o Islã;

  • Croatas católicos resistiam ao expansionismo sérvio e à suposta “islamização”; e

  • Bosníacos muçulmanos lutavam pela sobrevivência de sua comunidade, alvo de massacres como o genocídio de Srebrenica (1995).

Não se tratava apenas de fé pessoal, mas de símbolos políticos. Cruz ortodoxa, crucifixo católico e crescente islâmico tornaram-se emblemas de guerra.


Pós-Dayton: convivência sob desconfiança

O Acordo de Dayton (1995) encerrou a guerra da Bósnia, mas congelou divisões. Criou duas entidades políticas: a Federação da Bósnia e Herzegovina (bosníaca e croata) e a Republika Srpska (sérvia). Esse arranjo cristalizou identidades étnico-religiosas como categorias políticas oficiais.

O resultado é uma convivência paralela: bairros e escolas divididos, religiões reforçando identidades distintas e a supervisão contínua do Alto Representante Internacional como árbitro externo.

Hoje, a paisagem religiosa reflete tanto modernidade quanto disputas de pertencimento:

  • Bosníacos muçulmanos oscilam entre secularismo, religiosidade moderada e, em alguns casos, influência externa vinda de países árabes;

  • Sérvios ortodoxos seguem fortemente influenciados pela Igreja Ortodoxa, que apoia discursos nacionalistas;

  • Croatas católicos preservam o catolicismo como elo de identidade com a Croácia, demandando mais autonomia.

Assim, a religião permanece mais do que fé: é linha de pertença nacional e obstáculo à construção de uma identidade bósnia comum.


O Kosovo e a ferida aberta da soberania

Em 2008, Kosovo declarou unilateralmente sua independência, reconhecida por EUA e grande parte da União Europeia, mas rejeitada pela Sérvia. A disputa vai além da questão étnica: trata-se de soberania, memória histórica e dignidade nacional.

A coexistência entre sérvios e albaneses kosovares continua frágil, sobretudo no norte, onde a minoria sérvia rejeita a autoridade de Pristina. Crises recorrentes evidenciam que a reconciliação ainda parece distante.


2. Tensões recentes entre Sérvia e Kosovo


O nosso artigo “Tensão entre Sérvia e Kosovo e seus possíveis desdobramentos - Parte II”, de 11 de agosto de 2022, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/tensão-entre-sérvia-e-kosovo-e-seus-possíveis-desdobramentos-parte-ii, destacou o agravamento das tensões após medidas recíprocas em placas de veículos (sérvias obrigatórias para kosovares e reações de Pristina). A escalada foi marcada por intervenção policial kosovar, bloqueios de caminhoneiros sérvios e reforço da missão KFOR da OTAN.

Nesse sentido, a Sérvia, apoiada pela Rússia, insiste em sua narrativa de soberania, enquanto o Kosovo se apoia no reconhecimento de grande parte dos países ocidentais e na presença da OTAN (KFOR) para garantir sua segurança.

A OTAN, representada pelo atual secretário-geral Mark Rutte, reiterou seu compromisso com a segurança local e instou por avanço no diálogo, conforme a matéria “NATO's Rutte urges Kosovo and Serbia to speed up dialogue, normalise ties” da Reuters, publicada em 11 de março de 2025 e acessível em https://www.reuters.com/world/europe/natos-rutte-urges-kosovo-serbia-speed-up-dialogue-normalise-ties-2025-03-11/.

A comunidade internacional — especialmente a UE e EUA — tem explorado mediação via Diálogo de Bruxelas, mas os progressos continuam limitados e assimétricos.


3. Dinâmicas envolvidas em um potencial conflito ampliado


A) Croácia–Kosovo–Albânia e a nova aliança militar

Em 18 de março de 2025, Croácia, Albânia e Kosovo assinaram uma declaração de cooperação militar trilateral. O objetivo é fortalecer interoperabilidade, capacidades de defesa, enfrentamento de ameaças híbridas e apoio à integração euro-atlântica. Para Belgrado, esse acordo foi visto como provocação, conforme pode ser visto em https://europeanwesternbalkans.com/2025/03/24/what-is-the-aim-of-the-declaration-on-military-cooperation-between-croatia-albania-and-kosovo/.


B) República Srpska e riscos à integridade da Bósnia

Na Bósnia, o líder nacionalista Milorad Dodik, da Republika Srpska (RS), que vem buscando criar laços mais estreitos com a Rússia e a Sérvia, tem desafiado gravemente as instituições centrais e o representante internacional, ameaçando com a secessão. A comunidade internacional, incluindo UE e EUA, condenou essas ações e a OTAN reforçou seu apoio à integridade da Bósnia.


C) Iniciativas europeias e geopolítica regional

O “Western Balkans Quad”, iniciativa lançada em 2023, reúne Albânia, Kosovo, Montenegro e Macedônia do Norte em alinhamento com a política externa e de segurança da UE, conforme podemos ver em https://europeanwesternbalkans.com/2023/03/29/four-western-balkan-countries-launched-100-alignment-with-cfsp-platform/. Sérvia e Bósnia (pela RS) não participam, aprofundando ainda mais as divisões regionais.

Além disso, a UE tem pressionado pela escolha geoestratégica da Sérvia entre Ocidente e Oriente — via reformas internas e política externa — como parte de sua trajetória rumo à integração europeia. Convém mencionar que os sérvios consideram a Rússia como um aliado próximo e irmão.


4. Riscos de escalada e cenários possíveis


I) Conflito localizado entre Sérvia e Kosovo

As tensões e crises em curso no norte de Kosovo, combinadas ao apoio simbólico de Belgrado à minoria sérvia, criam um ambiente propício à escalada violenta, principalmente se envolver ações unilaterais ou repressivas de Pristina.


II) Bósnia entre fragmentação e conflito aberto

Se Dodik for adiante com sua agenda secessionista e criar instituições paralelas, a possibilidade de choque interétnico renasce. O reforço da OTAN e o apoio internacional à estrutura Dayton, por ora, mantêm o risco contido.


III) Reação de Croácia e possíveis alinhamentos militares defensivos

A assinatura do pacto defensivo trilateral (Croácia–Kosovo–Albânia) constitui um mecanismo de dissuasão. Em caso de tentativa de agressão sérvia, especialmente contra Kosovo ou a Bósnia, Croácia e Albânia estariam posicionadas para responder com apoio direto ou diplomático.


IV) Impasses na expansão da UE como fator desestabilizador

A lentidão no progresso da integração europeia para os países dos Balcãs alimenta frustrações que podem favorecer narrativas nacionalistas ou abrirem espaço para influências externas, como da Rússia.


5 - Análise prospectiva: cenários para um possível conflito


Considerando a persistência das tensões, é possível traçar três cenários principais:


Cenário 1 – Escalada localizada (alta probabilidade)

Um confronto de baixa intensidade entre sérvios e kosovares no norte do Kosovo, envolvendo grupos paramilitares e protestos violentos. A OTAN atuaria para conter a escalada, mas o episódio aumentaria a polarização e reforçaria os discursos nacionalistas.


Cenário 2 – Desestabilização na Bósnia (média probabilidade)

A liderança da República Srpska, em Banja Luka, intensificaria esforços separatistas, possivelmente organizando um referendo. Isso poderia desencadear resposta da Federação Croata-Bósnia e provocar intervenção indireta da Croácia e da Sérvia, e quiçá da Rússia. A Bósnia voltaria a ser o “calcanhar de Aquiles” da Europa.


Cenário 3 – Conflito regionalizado (baixa probabilidade, mas de alto impacto)

Um conflito simultâneo envolvendo Sérvia, Kosovo e Bósnia, com a Croácia arrastada como protetora de seus compatriotas. Esse cenário, embora menos provável, não pode ser totalmente descartado. Ele transformaria os Bálcãs em uma frente de guerra europeia paralela à da Ucrânia, ampliando o desgaste da OTAN e fortalecendo a posição estratégica da Rússia.


Conclusão


Podemos concluir que o cenário que paira sobre os Balcãs caracteriza-se pela intersecção delicada entre identidades étnicas, heranças de conflito e falhas institucionais. Com a fragmentação política da Bósnia e ausência de solução Kosovo-Sérvia, o arcabouço estabelecido após as guerras está em crise. Além disso, as afiliações étnicas (sérvia, albanesa, croata e bósnia) são frequentemente instrumentalizadas pelas lideranças para legitimar agendas territoriais ou de poder.

Um conflito envolvendo Sérvia, Bósnia, Croácia e Kosovo é plausível, mas contido — desde que atores externos se mantenham vigilantes e os mecanismos multilaterais (como OTAN, UE e Diálogo de Bruxelas) continuem ativos.

Outrossim, sabemos que a Rússia alimenta lideranças separatistas (como em RS), enquanto a UE canaliza pressões para reformas. A instabilidade regional pode servir de palco para tensões mais amplas entre Moscou e Bruxelas. Ademais, não podemos esquecer o possível papel dos EUA nessa problemática.

Nesse contexto, podemos verificar que esse jogo externo transforma os Bálcãs em um tabuleiro de proxy war latente, em que as rivalidades locais podem ser potencializadas por agendas geopolíticas globais.

A estabilização dependerá de possíveis soluções políticas inclusivas (como a Associação de Municípios Sérvios no Kosovo), reforço de estruturas democráticas, aceleração de reformas internas e continuidade do diálogo regional.

Portanto, o desafio é restaurar tanto a confiança quanto a governabilidade, que se perderam no tempo e nas fronteiras recentes dos sofrimentos coletivos.


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Seguem alguns vídeos para nos ajudar em nossas análises:

Matéria de 13/08/2025:

Matéria de 19/10/2024:

Matéria de 17/05/2025:

Matéria de 09/02/2022:


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© 2020 por Alexandre Tito. Feito Wix.com

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