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Jogos de Guerra Profissionais Experienciais: Conceito, Aplicações e Desafio.


Figura gerada por IA
Figura gerada por IA

Introdução

A prática de jogos de guerra tem longa tradição no pensamento militar e no desenvolvimento institucional de forças armadas ao redor do mundo. Desde os exercícios prussianos com o Kriegsspiel no século XIX até os modelos complexos utilizados por comandos estratégicos contemporâneos, o wargaming tem sido reconhecido como uma metodologia essencial para a geração de conhecimento, experimentação doutrinária, avaliação de riscos e desenvolvimento de capacidades.

No entanto, à medida que o campo dos jogos de guerra evolui, é necessário distinguir entre suas modalidades. Entre os três grandes grupos reconhecidos — jogos didáticos, analíticos e experienciais — os jogos experienciais vêm adquirindo relevância crescente. Fundamentados na pedagogia da educação experiencial, esses jogos não visam apenas transmitir conhecimento teórico ou gerar produtos analíticos para tomadas de decisão, mas promover o aprendizado vivencial, coletivo e introspectivo.

Tais jogos oferecem aos participantes a oportunidade de vivenciar dilemas reais, experimentar tomada de decisões sob pressão, refletir sobre erros e acertos, e, sobretudo, aperfeiçoar-se como líderes, planejadores e operadores dentro dos contextos específicos de suas funções profissionais.

Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise abrangente dos jogos de guerra profissionais experienciais, abordando sua definição, distinções em relação às demais categorias, fundamentos educacionais, requisitos metodológicos, aplicabilidade, desafios operacionais e considerações finais. Ao fazê-lo, fundamenta-se principalmente na nota educacional da OTAN intitulada Introduction to Wargaming (EN-SAS-195-06), complementando com a literatura clássica da área, como as obras de Perla, Appleget e McGonigal.


Jogos de Guerra Profissionais: Classificação e Propósitos

A classificação dos jogos de guerra profissionais pode ser organizada, conforme reconhecido por instituições de referência, como Navy War College e OTAN, em três categorias fundamentais: jogos educacionais (didáticos), jogos analíticos e jogos experienciais. Embora tais classificações não sejam estanques, pois um jogo pode ter elementos de mais de uma categoria, elas ajudam a compreender os objetivos principais de cada tipo.


  • Jogos Educacionais ou Didáticos

Esses jogos têm por finalidade a transmissão de conhecimento conceitual. São utilizados para consolidar o ensino de doutrinas, estratégias, normas de emprego e fundamentos operacionais. Costumam ter roteiros relativamente rígidos e estrutura pedagógica clara, com foco na transferência de conteúdo técnico-científico. Sua função principal é consolidar conhecimento e ensinar.

  • Jogos Analíticos:

Os jogos analíticos visam produzir conhecimento para subsidiar decisões de alto nível. Seu foco está na coleta de dados, identificação de padrões, geração de hipóteses e comparação entre alternativas ou linhas de ação. São organizados com estrutura rigorosa e seguem protocolos de validação para garantir a integridade dos dados produzidos. Muitas vezes, compõem parte do chamado Ciclo de Pesquisa de Perla, juntamente com simulações computacionais e exercícios de campo.

  • Jogos Experienciais:

Por fim, os jogos experienciais são voltados ao participante, e não ao conteúdo ou ao produto. Sua ênfase está no desenvolvimento pessoal e profissional do jogador, por meio da vivência de situações complexas, ambíguas e desafiadoras. Estimulam a introspecção, o aprendizado pela prática, o refinamento do julgamento profissional e a colaboração em contextos reais ou realistas.


A Educação Experiencial como Fundamento dos Jogos Experienciais

A educação experiencial é um campo consolidado da pedagogia contemporânea, que busca articular a ação com a reflexão como formas complementares e integradas de aprendizagem. Segundo David Kolb, o ciclo da aprendizagem experiencial envolve quatro momentos: experiência concreta, observação reflexiva, conceitualização abstrata e experimentação ativa.



Nos jogos de guerra experienciais, esse ciclo está presente de forma contínua. Os participantes não apenas tomam decisões, mas também observam seus resultados, analisam as consequências, adaptam-se aos desdobramentos e aplicam novamente o aprendizado em novas iterações do jogo.

Esse método é particularmente eficaz para adultos, que geralmente aprendem melhor quando expostos a situações autênticas e desafiadoras, que exigem o uso das próprias competências, valores e habilidades emocionais. Ao contrário da mera instrução técnica, os jogos experienciais estimulam a construção de sentido pessoal a partir da experiência direta.

Além disso, a educação experiencial aplicada aos jogos de guerra reforça o desenvolvimento de três atributos fundamentais:

• Intuição refinada, por meio do enfrentamento de dilemas ambíguos;

• Tomada de decisão sob pressão, com consequências simuladas mas significativas;

• Aprimoramento da liderança, ao integrar aspectos cognitivos, afetivos e relacionais.


Diferenças entre Jogos Experienciais, Didáticos e Analíticos

A distinção entre os três tipos de jogos pode ser sistematizada por meio de múltiplas dimensões:

No jogo analítico podemos entender como produto final a análise do problema complexo que é materializado pela elaboração do relatório sobre o jogo.

Embora todos os jogos compartilhem quatro elementos fundamentais: objetivo, regras, sistema de feedback e participação voluntária —, os jogos experienciais diferenciam-se por colocar a experiência subjetiva do jogador como centro do processo.


Condução de Jogos Experienciais: Requisitos, Recomendações e Dificuldades

Conduzir um jogo de guerra experiencial exige sensibilidade metodológica, maturidade organizacional e clareza de objetivos. A seguir, são apresentadas recomendações fundamentais para sua execução:


Requisitos Essenciais

• Objetivo bem definido: mesmo que não seja a produção de dados ou o ensino de conteúdos, o jogo precisa de um propósito claro.

• Narrativa imersiva: o cenário deve ser suficientemente realista e envolvente para que os jogadores se engajem afetivamente.

• Facilitadores experientes: o papel do mediador é crucial para orientar a reflexão sem interferir nos resultados.

• Espaço seguro para erro: é fundamental garantir que o erro seja visto como fonte legítima de aprendizado, sem julgamento, ou seja, foca-se na troca de experiências e vivências.

• Desenho iterativo: o jogo deve prever ciclos de experiência e reflexão.


Dificuldades:

• Resistência organizacional: instituições focadas em resultados tangíveis tendem a subestimar o valor da aprendizagem subjetiva.

• Dificuldade de mensuração: avaliar transformação pessoal ou maturidade profissional requer métricas qualitativas e instrumentos indiretos.

• Riscos de overfacilitation: intervenções excessivas dos mediadores podem comprometer a autonomia e espontaneidade dos jogadores.

• Viés de confirmação: jogadores tendem a repetir comportamentos prévios se não houver estímulo adequado à reflexão crítica.


Aplicabilidade dos Jogos Experienciais no Contexto Militar e Civil

Os jogos experienciais podem ser aplicados com eficácia em múltiplos contextos, tanto no ambiente militar quanto no civil:


Ambiente Militar

• Treinamento de líderes seniores em ambientes de ambiguidade política e operacional;

• Preparação para comando de forças conjuntas ou coalizões multinacionais;

• Treinamento para gestão de crises estratégicas, com atores militares e civis;

• Treinamento de Estados-Maiores para operações interagências.


Ambiente Civil

• Simulações de governança em situações de catástrofe humanitária;

• Jogos para preparar líderes de empresas de infraestrutura crítica (energia, telecomunicações);

• Treinamentos colaborativos em escolas de governo e diplomacia;

• Programas de capacitação em think tanks, ONGs e organismos internacionais.


A aplicabilidade cresce na medida em que o mundo contemporâneo se torna mais interconectado, incerto e sujeito a eventos de baixa previsibilidade — os chamados cisnes negros. Jogos experienciais oferecem, nesse sentido, uma rara oportunidade de vivenciar o inusitado em ambiente controlado.


Limitações e Desafios dos Jogos de Guerra Experienciais

Apesar de suas virtudes, os jogos experienciais não são isentos de limitações. As mais relevantes incluem:

• Dependência da qualidade dos participantes: jogos experienciais são tão eficazes quanto forem os seus jogadores. Sem compromisso, maturidade e abertura ao aprendizado, os resultados são limitados.

• Dificuldade de replicação: como envolvem processos subjetivos e interativos, raramente são reproduzíveis com exatidão.

• Risco de distorções emocionais: a vivência intensa pode gerar conclusões enviesadas, seja por trauma, identificação exagerada ou resistência.

• Exigência de tempo e recursos: o design, a preparação, a condução e o debriefing demandam dedicação intensiva e equipes especializadas.


Contudo, a compreensão desses limites permite seu uso consciente e ético, como parte integrada de um ecossistema mais amplo de desenvolvimento profissional.


Considerações Finais

Os jogos de guerra profissionais experienciais constituem uma ferramenta singular no arsenal metodológico da educação estratégica contemporânea. Distinguindo-se dos jogos didáticos e analíticos, sua força reside na capacidade de mobilizar os jogadores como sujeitos ativos de seu próprio aprimoramento.

A prática repetida de jogos experienciais estimula o raciocínio estratégico, a inteligência emocional, a capacidade de lidar com a incerteza e a construção de confiança mútua entre os atores envolvidos. É um espaço onde se aprende com a própria ação — e, sobretudo, com a reflexão sobre essa ação.

Para instituições comprometidas com a formação de lideranças preparadas para enfrentar um mundo complexo, incerto e ambíguo, investir em jogos experienciais é investir em resiliência, adaptabilidade e excelência decisória.

Como sintetizou Perla, "bons jogos de guerra salvam vidas". E os experienciais, em particular, salvam também carreiras, instituições e, por que não, a própria capacidade humana de aprender com o desconhecido.







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