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Análise da pesquisa sobre possíveis tendências e cenários, até 2040, que podem impactar o Brasil.


Figura disponível em: https://lh3.googleusercontent.com/proxy/mkhWrgJ6jKtdXsqgf5Gw7BW-JiPl8k6E1lFijI2wcMMTunbQs2hZTgGwstj0bleonEouf_wBa9n6m4VmEN9TgQZ62Xri0I7QAr4FU57sj3BArerbTkL_c5ODcf71o1BSAWxDg7I_jOuj8FraZT7S278

No artigo de hoje iremos analisar os resultados da nossa última pesquisa que versou sobre a verificação de tendências e de possíveis cenários, até 2040, que possam impactar no Brasil.

A pesquisa que se iniciou em 02 de outubro e se encerrou no dia 12, contou com a participação de 85 especialistas, civis e militares, das áreas de Defesa, Geopolítica e Inteligência. A sua delimitação na parte geográfica teve o enfoque no Atlântico Sul devido ao nosso Entorno Estratégico, que está definido nas nossas Política Nacional de Defesa - PND e Estratégia Nacional de Defesa - END, sendo a perspectiva temporal até o ano de 2040.

No tocante a essa questão, ficou nítida a percepção dos especialistas de que existe a tendência do aumento das disputas marítimas, tendo como a principal causa a busca pela exploração de recursos naturais, como petróleo, gás, minerais importantes como "terras raras", dentre outras valiosas commodities.

Tal tendência tem levado aos países a aumentarem os investimentos em seu Poder Naval, pois os mesmos começam a sentir uma maior insegurança, o que temos observado na busca pela formação de alianças.

Aqui cabe um olhar atento na história, pois o mar sempre foi um palco de disputas pela prosperidade, e vemos que isso ainda não mudou, corroborando a visão de Mahan.

É digno de nota que com o desenvolvimento tecnológico fica mais próxima a exequibilidade de explorar as riquezas que se encontram no fundo do mar, e que estão mais difíceis de se obter no continente, seja pela sua escassez ou pelos requisitos de licenciamento ambiental, cada vez mais restritivos que acabam por inviabilizar a exploração econômica.

Dessa forma, podemos concluir que o espaço marítimo se apresenta como o palco de futuros conflitos entre Estados, e que aqueles que não tenham uma boa capacidade dissuasória ou não estejam preparados poderão ter as suas soberanias no mar colocadas à prova.

Assim, o mar além ser uma via de passagem e de comércio global, ganha maior relevância como "território". Dessa forma, conseguimos entender melhor o fenômeno de "territorialização" do mar, onde verificamos como alguns exemplos: a construção de ilhas artificiais pela China no Mar do Sul da China, bem como a bandeira russa fincada no fundo do Oceano Ártico.

Como existe uma tendência de aumento de conflitos por disputas territoriais no mar, percebemos que tal fenômeno se aproxima do nosso Entorno Estratégico.

Nesse sentido, é esperado que a disputa por recursos marinhos, por ser uma tendência global, transborde as regiões contenciosas que vêm passando por tensões e crises, como o Indo-Pacífico, Sudeste Asiático, Mediterrâneo Oriental etc, e chegue à nossa fronteira oriental, e que aliada a atual disputa hegemônica sino-estadunidense mostra que haverá uma militarização do Atlântico Sul.

Destarte, vemos que outras rivalidades e disputas geopolíticas já se encontram presentes na África Ocidental, como entre a Índia e a China.

Dessa forma, a maioria dos especialistas sinalizaram que essa esperada militarização impactará até 2040 nessa região, porque a colocará com maior propensão a tensões que poderão escalar para crises, e com isso afetando a segurança desse espaço marítimo que nos é estratégico.

Convém registrar, que a nossa prosperidade, como a da maioria dos outros países, depende de linhas de comunicação marítima - LCM seguras, e que uma situação de instabilidade nessas rotas afeta o custo do transporte marítimo, e com isso a economia do Estado.

Nesse diapasão, vemos a importância da iniciativa que o Brasil deu no passado, e que recentemente tenta "ressuscitar", que é a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul - ZOPACAS, que em termos gerais visa evitar a ocorrência do cenário de militarização e de disputas, o que a nosso ver será inevitável.

Esse assunto foi abordado pelo Blog no artigo "A importância da ZOPACAS para o Brasil. Quando iremos tratar com seriedade essa questão?!" de 05 de maio de 2020, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/a-importância-da-zopacas-para-o-brasil-quando-iremos-tratar-com-seriedade-essa-questão, e que afirmamos que é importante ter essa região próspera, segura e tranquila. Ainda mais porque a maior parte da população brasileira habita nas proximidades da costa. Assim, não interessa ao Brasil que outros atores comecem a influenciar a área com o possível aumento da militarização do Atlântico Sul.

Nesse sentido, torna-se fundamental que o Estado brasileiro acompanhe com muita atenção o aumento da presença de meios navais exógenos a região, com o intuito de decidir o que deve ser feito para mitigar as possíveis consequências ao nosso país.

Ao olharmos as respostas dos nossos especialistas acima, verificamos que existe um grau de incerteza quanto a um cenário de disputa territorial marítima envolvendo o Brasil até 2040.

Porém, não podemos esquecer que os especialistas foram quase unânimes em afirmar que existe a tendência de incremento de disputas marítimas, bem como que a militarização do Atlântico Sul até 2040 poderá impactar na segurança do Atlântico Sul, que é a nossa fronteira oriental. Tais indicadores dão um certo respaldo e lógica a hipótese de eventual disputa envolvendo o Estado brasileiro.

Assim, verificamos que a resposta dos especialistas significa, em nossa opinião, um sinal de alerta aos nossos decisores para considerarem seriamente a ocorrência de uma situação de tensão que nos envolva e que poderá escalar para uma crise militar.

Em que pese ser um cenário incerto, mas que pelos especialistas existe uma probabilidade de ocorrência de 57,6%, faz-se necessário que o nosso poder político analise os impactos dele se concretizar, e com isso realizar um gerenciamento de risco junto ao Ministério da Defesa com o estabelecimento de medidas mitigadoras contra as possíveis consequências negativas para o nosso país.

No nosso artigo "Elevação do Rio Grande: oportunidade e vulnerabilidade para o Brasil" de 24 de fevereiro de 2021, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/elevação-do-rio-grande-oportunidade-e-vulnerabilidade-para-o-brasil, afirmamos que se o Brasil conseguir ter o direito de explorar a ERG, poderá se tornar um ator relevante como um dos principais mercados fornecedores dessa "commodity do futuro", sendo uma alternativa mundial e um competidor direto com a China. Convém mencionar que o governo de Pequim possui um quase monopólio, cerca 80% da produção mundial, desses minerais de terras raras, e que muitos especialistas consideram como a fonte de recursos do Século XXI. Esse é um fator de força da China, ainda mais em sua disputa pela hegemonia geopolítica com os EUA, pois pode restringir a venda para o governo de Washington, que é o seu principal comprador, bem como para outros Estados em que possua alguma tensão política. Além disso, a China, França, Alemanha e Rússia vêm desenvolvendo atividades de pesquisa na região da ERG. Importante conhecer que Inglaterra, Rússia, Noruega, França, China, Alemanha, Japão e Coreia do Sul estão se preparando para realizar a mineração submarina em águas profundas. Alguns países tentam reciclar os minerais de terras raras para diminuir a sua dependência da China.

As respostas a seguir dos especialistas demonstram que infelizmente, nos dias de hoje, o nosso Poder Naval não está apto para uma eventual disputa territorial marítima nas regiões que são estratégicas para o nosso país.

Essa constatação é extremamente preocupante e impactante, pois se temos essa percepção, os nossos potenciais adversários também a têm.

Nesse sentido, quando novamente voltamos para o estudo da história verificamos que no Século XX os nossos principais desafios a nossa Defesa tiveram origem no mar, como as Primeira e Segunda Guerras Mundiais, e a crise com a França devido a pesca da Lagosta (Guerra da Lagosta). Outrossim, não podemos esquecer que a última guerra naval, Guerra das Falklands / Malvinas de 1982, ocorreu próximo ao Brasil.

É fato que a preparação de um poder naval não se faz do dia para a noite, como dizia Ruy Barboza:


"Esquadras não se improvisam, e as nações que confiam mais em seus diplomatas do que nos seus marinheiros e soldados estão fadadas ao insucesso. Temos excelentes diplomatas, mas uma esquadra moderna leva mais de dez anos para ser projetada e construída, quando se tem os recursos materiais, financeiros e a tecnologia necessária.”


A afirmação de Barboza alinha-se a nossa análise no artigo, e que recomendamos a leitura, "Como planejar uma Marinha de Guerra? Tema para reflexão da sociedade." de 20 de junho de 2021, acessível em https://www.atitoxavier.com/post/como-planejar-uma-marinha-de-guerra-tema-para-reflexão-da-sociedade, onde afirmamos que uma Marinha deve levar cerca de 30 anos para estar madura, pois seria quando teríamos Oficiais e Praças experientes com capacidade de subsidiar a alta administração naval na tomada de decisões. Sendo assim, quando menos uma Marinha opera menor é a experiência de seu pessoal. Além disso, dissemos que a nossa Marinha em virtude de problemas econômicos ou por decisões políticas passadas ficou reduzida a uma Força que deixou de atender a definição que estabelecemos:


"uma Força que possua uma capacidade razoável de: dissuasão, controlar e/ou negar uma área marítima, projetar poder, garantir os interesses nacionais no exterior e contribuir para a segurança e a paz internacional por meio de operações multinacionais."


Assim, é urgente que o poder político do Brasil corrija essa vulnerabilidade à nossa Defesa, pois caso não o faça poderemos pagar um preço muito alto. Em nossa visão estamos muito atrasados nessa questão.

Outrossim, os especialistas, com a sua análise sobre a questão, ratificam o nosso constante alerta sobre a importância e premência de termos uma Estratégia Marítima para o Século XXI, onde sugerimos a leitura do nosso artigo "Brasil: precisamos ter uma estratégia marítima para o século XXI", que pode ser lido em https://www.atitoxavier.com/post/brasil-precisamos-ter-uma-estratégia-marítima-para-o-século-xxi.


Os especialistas, por meio das suas respostas, afirmam que as frotas pesqueiras que estão realizando a pesca ilegal afetarão a nossa soberania até 2040 (87,1%), e que é provável que essa atividade possa resultar numa tensão com outro Estado, a exemplo do que ocorreu entre o Brasil e a França (61,2%).

A visão dos especialistas corrobora a importância da implementação do Sistema de Vigilância da Amazônia Azul - SISGAAZ, bem como a relevância de termos uma capacidade de permanência e de dissuasão contra a pesca ilegal por parte de nossos Navios Patrulha - NP, na nossa Zona Econômica Exclusiva - ZEE, o que demandará, em nossa visão, uma maior quantidade de NP que atendam a esses requisitos.

Neste ano, vimos um grande número de pesqueiros asiáticos realizando pesca nas proximidades das ZEE dos países da América do Sul, bem como um Navio da Guarda Costeira dos EUA operar no Atlântico Sul no combate à pesca ilegal. Tais assuntos foram temas de alguns artigos do Blog, como "Inimigo à vista: Pesca ilegal - ameaça que se aproxima cada vez mais do Brasil" e "Os EUA e o início da preocupação com o Atlântico Sul - aumento da dark fleet chinesa", disponíveis respectivamente em https://www.atitoxavier.com/post/inimigo-à-vista-pesca-ilegal-ameaça-que-se-aproxima-cada-vez-mais-do-brasil e https://www.atitoxavier.com/post/os-eua-e-o-início-da-preocupação-com-o-atlântico-sul-aumento-da-dark-fleet-chinesa.

Convém mencionar, que além de afetar a nossa soberania, a pesca ilegal retira do nosso país recursos valiosos pertencentes ao povo brasileiro.

Prosseguindo na análise do tema sobre pesca ilegal pelos especialistas, verificamos que a Marinha do Brasil - MB carece de condições para dissuadir essa prática na nossa ZEE até 2040.

Tal constatação se alinha a que nos diz que a MB não possui condições de fazer frente a uma disputa territorial no mar contra um Estado exógeno a nossa região. Isso demonstra que os desafios são inúmeros e potencializados pela extensão de nossas águas jurisdicionais - AMAZÔNIA AZUL, e que são fundamentais para a nossa prosperidade.

Figura disponível em: https://www.marinha.mil.br/secirm/sites/www.marinha.mil.br.secirm/files/pictures/amazoniaazul/amazoniaazul.png

Dessa forma, é incompreensível, pelo exposto até agora, o motivo de não termos um programa perene de investimentos em nosso poder naval que garanta os nossos recursos e que dissuada os potenciais adversários.

Ao olharmos o cenário internacional vemos a preocupação dos Estados em investir em suas marinhas ou fazer alianças, visando preservar os seus interesses. Essa afirmação é corroborada na primeira pergunta. Para tanto, é importante a sinergia entre o poder político e a sociedade sobre o assunto.

Afinal não investir na segurança das nossas riquezas é o mesmo que entregá-las a quem deseja ou confiar que um terceiro as proteja por nós.

Por fim, ao analisarmos as respostas dos especialistas sobre o último questionamento da pesquisa, podemos ratificar o nosso país como uma potência híbrida, continental e marítima, pois a opinião ficou praticamente dividida, com uma pequena predominância da corrente continentalista.

O que nos chamou atenção foi o fato de que apesar do tema amazônico estar constantemente na mídia interna e externa, de haver um grande debate político interno, e de ameaças de possíveis sanções econômicas internacionais, uma parte relevante dos especialistas enxerga no mar, no caso o Atlântico Sul, a principal vulnerabilidade à Defesa Brasileira até 2040.

Essa opinião encontra respaldo na percepção obtida na pesquisa sobre o estado da nossa Marinha, juntamente com as análises majoritárias de que existe uma tendência de aumento das disputas territoriais no mar, bem como que a atividade de pesca ilegal afetará a nossa soberania até 2040, com possibilidade de tensão com algum Estado exógeno a nossa região.

Como faltam menos de 20 anos para 2040, e que verificamos que é necessário mais de uma década para termos um Poder Naval razoável, urge que os decisores vislumbrem soluções de curto e médio prazos para minimizar as nossas atuais deficiências e vulnerabilidades, bem como estabeleça um programa perene de investimentos, longo prazo, que mantenha uma boa capacidade dissuasória.

Dessa forma, em nossa análise, caso estivesse existindo no nosso país um debate no poder político, quanto na sociedade sobre o que vem acontecendo no mundo em relação aos eventos no mar com os possíveis impactos para o Brasil, talvez a percepção de que a nossa vulnerabilidade na fronteira oriental fosse a predominante.

A nosso ver, a falta desses debates no nosso país, no nosso cenário atual, demonstra que possuímos pequena mentalidade marítima, e quem sem ela será muito difícil termos um Poder Naval condizente com o tamanho e da importância do Brasil no mundo.

Sendo assim, é primordial que o poder político se conscientize sobre a importância do mar, compreendendo a sua dualidade: oportunidade e ameaça, visando potencializar os pontos fortes e minimizando os pontos fracos.

Nesse cenário, a pesquisa se propôs a fornecer alguns elementos para uma séria reflexão sobre a necessidade de termos um Poder Naval condizente com a nossa extensão marítima, e assim sermos um Estado próspero e seguro.

Precisamos olhar o mar não somente como uma área de lazer, mas como o nosso futuro, e para isso se necessita planejamento, preocupação e seriedade.



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