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A influência das ORCRIM nos Estados da América Latina - Parte III: A Expansão da Doutrina Antiterrorista no Novo Governo Trump.


Introdução

A cerimônia de posse de Donald Trump, realizada em 20 de janeiro de 2025, foi marcada por ênfase em postura de “lei e ordem” e nos temas de imigração e segurança internacional. Dessa forma, o seu governo invocou o marco legal e doutrinário da "Guerra ao Terror" pós-11 de setembro de 2001 para justificar uma extensão de designações a grupos criminosos de caráter transnacional, sob o argumento de que suas atividades – tráfico, sequestro, extorsão – geram ameaças equiparáveis a atos terroristas.

Abaixo selecionamos, em nossa visão, as bases jurídicas centrais que atual governo estadunidense se baseia:

·     Executive Order 13224 (23/09/2001): define instrumentos de bloqueio e congelamento de ativos de indivíduos e entidades que apoiam o terrorismo, acessível em https://www.state.gov/executive-order-13224/.

·     Seção 219 da INA (8 U.S.C. § 1189): designação de Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs), disponível em https://uscode.house.gov/view.xhtml?req=granuleid:USC-prelim-title8-section1189&num=0&edition=prelim.

·     International Emergency Economic Powers Act (IEEPA): autoriza sanções amplas contra redes terroristas, disponível em https://uscode.house.gov/view.xhtml?path=/prelim@title50/chapter35&edition=prelim.

·     Patriot Act, que pode ser lido em https://www.justice.gov/archive/ll/what_is_the_patriot_act.pdf, e emendas subsequentes: expandiram poderes de vigilância global.

Assim, este artigo continua a série sobre a influência das ORCRIM nos Estados da América Latina, inclusive no Brasil. Com isso, recomendamos a leitura dos artigos anteriores, cujos links apresentamos a seguir, pois eles seguem uma estrutura lógica e se complementam:

2. Política antiterrorismo do novo governo (jan–abr 2025)

2.1. Executive Order 14157: designação de cartéis e facções como FTOs

Publicada em 20 de janeiro de 2025, EO 14157, acessível em https://public-inspection.federalregister.gov/2025-02004.pdf, estabeleceu um comitê interinstitucional (State, Treasury, Justice, Homeland Security, Director of National Intelligence) para propor listas contendo organizações criminosas recomendadas como Organizações Terroristas Estrangeiras - FTO.

Nesse sentido, este procedimento inédito tornou-se referência para enquadrar não apenas organizações ideológicas, mas quaisquer entidades cujas operações financiem violência política ou social.

Portanto, os EUA se colocam em estado de emergência nacional, passando a classificar cartéis e organizações criminosas como terroristas.


2.2. Organizações designadas até 30/04/2025

O atual governo incluiu oito Organizações Criminosas - OrCrim, como Organizações Terroristas Estrangeiras - FTO, conforme pode ser lido em https://www-state-gov.translate.goog/terrorist-designations-of-international-cartels/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc:

·     Tren de Aragua: foco em extorsão e sequestro na Venezuela e Colômbia.

·     Mara Salvatrucha (MS-13): ampliações em El Salvador, Guatemala e EUA.

·     Cartel de Sinaloa e Cartel Jalisco Nueva Generación: tráfico de drogas e lavagem de ativos.

·     Cartel del Golfo, Cartel de Noreste, La Nueva Familia Michoacana e Carteles Unidos: ramificações complexas no México.

Cada designação detalha violações de direitos humanos e uso de violência sistemática contra populações civis, reforçando argumento de analogia com terrorismo religioso ou ideológico.


2.3. Implicações jurídicas e financeiras

Designações de FTO implicam:

·     Congelamento imediato de ativos detectados em território americano.

·     Criminalização do "material support" por cidadãos e residentes.

·     Ações civis de recuperação de danos por vítimas.

Juristas destacam riscos de processos judiciais por supostos afetados, além de questionamentos sobre jurisdição extraterritorial e compatibilidade com o direito internacional humanitário.


2.4. Operações e cooperação internacional

Até abril de 2025, foram realizadas:

·     Operação Tidal Wave (https://www.ice.gov/news/releases/largest-joint-immigration-operation-florida-history-leads-1120-criminal-alien-arrests): prisões de membros da  MS-13, Tren de Aragua, Brown Pride Aztecas, Barrio Azteca, Surenos (sur-13) and 18th Street Gang nos EUA.

·     Extradições membros de OrCrim para a mega prisão de El Salvador.

Estas operações não se limitaram a ações pontuais de aplicação da lei, mas evidenciaram uma estratégia mais ampla de projeção de poder: a integração sistemática de capacidades militares — como vigilância aérea, drones de ataque e apoio logístico — com ferramentas judiciais e diplomáticas, reforçando o uso de parcerias regionais para legitimar intervenções extraterritoriais. Essa convergência de meios eleva a capacidade dos EUA de atuar rapidamente em prol de seus interesses de segurança, mas também acentua dilemas em torno da legalidade internacional, do respeito à cadeia de comando civil em países parceiros e da potencial escalada de confrontos entre agências de aplicação da lei e grupos criminosos transnacionais.

 

3. Riscos de violação de soberania em países-alvo

A aplicação extraterritorial da doutrina antiterrorista pelos EUA confronta diretamente o princípio de soberania nacional consagrado na Carta da ONU (Art. 2(4)). A seguir, apresentamos alguns riscos para cada país-alvo, selecionado abaixo por nós:


3.1. México

·     Transferência unilateral de monitoramento e coleta de dados: a instalação de drones MQ‑9 Predator e sistemas de vigilância eletrônica ao longo da fronteira, operados exclusivamente por militares e agências americanas, pode ocorrer sem autorização formal do Executivo mexicano, violando normas de jurisdição airspace control e legislação doméstica sobre soberania territorial.

·     Operações encobertas de captura: a possível infiltração de agentes da DEA em territórios rurais, utilizando bases avançadas no Texas, poderá resultar em prisões extrajudiciais de supostos líderes de cartéis, sem a anuência do governo mexicano e sem respeito aos procedimentos de extradição previstos no tratado bilateral de 1978.

·     Congelamento ou suspensão de assistência financeira: condicionamento de repasses do Mérida Initiative, disponível em https://mx.usembassy.gov/the-merida-initiative/, a cooperação plena do México na designação e perseguição de cartéis, ameaçando a independência de políticas públicas antidrogas e segurança interna.


3.2. Brasil

·     Treinamento e emprego de forças especiais: o envio de instrutores da DEA e do FBI para formar tropas locais em técnicas de contrainsurgência e coleta de dados biométricos pode sobrepor comando e controle a estruturas militares brasileiras, comprometendo a hierarquia constitucional das Forças Armadas.

·     Potencial designação do PCC e CV como FTO: caso confirmada, acarretaria intensificação de operações conjugadas em solo brasileiro, autorizando prisões e interceptações de comunicações sem respaldo jurídico local, ampliando poder de coerção extraterritorial, sanções econômicas e outras iniciativas estadunidenses de combate ao terrorismo.

Nesse sentido, o governo brasileiro pediu, no dia 06 de maio, em reunião entre representantes do governo Trump com integrantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para os EUA não classificarem as OrCrim brasileiras como organizações terroristas - FTO, conforme matéria do site CNN de 07 de maio, acessível em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/brasil-eua-crime-organizado-terrorismo/.


3.3. Venezuela

·     Execução de ataques aéreos e operações cinéticas: fundamentadas na Autorização do Uso da Força Militar - AUMF de 2001, disponível em https://www.congress.gov/107/plaws/publ40/PLAW-107publ40.pdf, autorizações tácitas podem levar a bombardeios cirúrgicos de campos do Tren de Aragua sem consulta ao governo Maduro, configurando ato de agressão proibido pela Carta da ONU.

·     Imposição de sanções secundárias à PDVSA: bloqueio de recursos energéticos e financeiros, limitando autonomia econômica da Venezuela, pode ser interpretado como coerção de Estado soberano para aceitar medidas punitivas externas.

·     Fomento indireto de grupos dissidentes: apoio logístico e de inteligência a milícias opositoras para realizar operações de solo, infringindo o princípio de não intervenção em assuntos internos.


3.4. Colômbia

·     Operações conjuntas sem supervisão: emprego de unidades de forças especiais estadunidenses em missões de busca e captura, com pouca ou nenhuma participação de autoridades colombianas, fragilizando a cadeia de comando local.

·     Pressão diplomática por extradições sumárias: exigência de transferência imediata de suspeitos para juízo americano, ignorando trâmites de due process e garantias constitucionais previstas na Constituição colombiana.

 

Portanto, a atual postura do governo Trump transmite um certo temor no cenário internacional, especialmente na América Latina, colocando os países em alerta sobre a possibilidade dos EUA aplicarem sanções e de realizarem operações militares nos países-alvo.


4. Possíveis desdobramentos diplomáticos e geopolíticos

4.1. Relações EUA–América Latina e rivalidades externas

O endurecimento estadunidense:

·     Reforça laços entre países-alvo e China: projetos de infraestrutura substituem financiamentos dos EUA.

·     Projeta influência russa na América Latina: novos acordos militares com os países impactados pelas possíveis medidas dos EUA.

·     Eleva risco de competição estratégica em águas do Atlântico Sul.


4.2. Impactos no combate ao tráfico e direitos humanos

A fragmentação da cooperação:

·     Reduz compartilhamento de inteligência entre agências.

·     Favorece vácuos que grupos criminosos exploram para expandir rotas de tráfico.

·     Eleva denúncias de abusos por forças de segurança, estimulando ações de ONGs e tribunais internacionais.

 

5. Conclusão

A aplicação da doutrina antiterrorista dos EUA a organizações criminosas transcende a dimensão meramente jurídica, configurando estratégia de segurança nacional que mistura instrumentos diplomáticos, econômicos e militares. Ao designar cartéis e facções como FTOs, o governo Trump consolida o poder de coerção extraterritorial, mas arrisca colidir com princípios basilares do direito internacional, sobretudo a soberania estatal e a proibição de uso da força.

No contexto brasileiro, a inclusão prospectiva do PCC e do CV no rol de possíveis FTOs expande o debate sobre limites de intervenção e necessidade de salvaguardas institucionais.

Logo, podemos concluir que as OrCrim devem ser consideradas como uma ameaça a soberania dos Estados, e com isso o tema deve ser tratado com extrema seriedade pelo poder político.


Qual a sua opinião?

Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:

Matéria de 23/01/2025:

Matéria de 19/02/2025:

Matéria de 04/05/2025:

Matéria de 09/04/2025:


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