A influência das ORCRIM nos Estados da América Latina - Parte III: A Expansão da Doutrina Antiterrorista no Novo Governo Trump.
- Alexandre Tito Xavier
- 7 de mai.
- 6 min de leitura
Introdução
A cerimônia de posse de Donald Trump, realizada em 20 de janeiro de 2025, foi marcada por ênfase em postura de “lei e ordem” e nos temas de imigração e segurança internacional. Dessa forma, o seu governo invocou o marco legal e doutrinário da "Guerra ao Terror" pós-11 de setembro de 2001 para justificar uma extensão de designações a grupos criminosos de caráter transnacional, sob o argumento de que suas atividades – tráfico, sequestro, extorsão – geram ameaças equiparáveis a atos terroristas.
Abaixo selecionamos, em nossa visão, as bases jurídicas centrais que atual governo estadunidense se baseia:
· Executive Order 13224 (23/09/2001): define instrumentos de bloqueio e congelamento de ativos de indivíduos e entidades que apoiam o terrorismo, acessível em https://www.state.gov/executive-order-13224/.
· Seção 219 da INA (8 U.S.C. § 1189): designação de Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs), disponível em https://uscode.house.gov/view.xhtml?req=granuleid:USC-prelim-title8-section1189&num=0&edition=prelim.
· International Emergency Economic Powers Act (IEEPA): autoriza sanções amplas contra redes terroristas, disponível em https://uscode.house.gov/view.xhtml?path=/prelim@title50/chapter35&edition=prelim.
· Patriot Act, que pode ser lido em https://www.justice.gov/archive/ll/what_is_the_patriot_act.pdf, e emendas subsequentes: expandiram poderes de vigilância global.
Assim, este artigo continua a série sobre a influência das ORCRIM nos Estados da América Latina, inclusive no Brasil. Com isso, recomendamos a leitura dos artigos anteriores, cujos links apresentamos a seguir, pois eles seguem uma estrutura lógica e se complementam:
"A influência das ORCRIM nos Estados da América Latina - Parte II: Ameaça Transnacional do Trem de Aragua: Implicações para a Segurança Nacional Brasileira", de 29 de abril de 2025, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/a-influência-das-orcrim-nos-estados-da-américa-latina-parte-ii-ameaça-transnacional-do-trem-de-ar; e
"A influência das ORCRIM nos Estados da América Latina, inclusive no Brasil", de 12 de agosto de 2023, acessível em https://www.atitoxavier.com/post/a-influência-das-orcrim-nos-estados-da-américa-latina-inclusive-no-brasil.
2. Política antiterrorismo do novo governo (jan–abr 2025)
2.1. Executive Order 14157: designação de cartéis e facções como FTOs
Publicada em 20 de janeiro de 2025, EO 14157, acessível em https://public-inspection.federalregister.gov/2025-02004.pdf, estabeleceu um comitê interinstitucional (State, Treasury, Justice, Homeland Security, Director of National Intelligence) para propor listas contendo organizações criminosas recomendadas como Organizações Terroristas Estrangeiras - FTO.
Nesse sentido, este procedimento inédito tornou-se referência para enquadrar não apenas organizações ideológicas, mas quaisquer entidades cujas operações financiem violência política ou social.
Portanto, os EUA se colocam em estado de emergência nacional, passando a classificar cartéis e organizações criminosas como terroristas.
2.2. Organizações designadas até 30/04/2025
O atual governo incluiu oito Organizações Criminosas - OrCrim, como Organizações Terroristas Estrangeiras - FTO, conforme pode ser lido em https://www-state-gov.translate.goog/terrorist-designations-of-international-cartels/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc:
· Tren de Aragua: foco em extorsão e sequestro na Venezuela e Colômbia.
· Mara Salvatrucha (MS-13): ampliações em El Salvador, Guatemala e EUA.
· Cartel de Sinaloa e Cartel Jalisco Nueva Generación: tráfico de drogas e lavagem de ativos.
· Cartel del Golfo, Cartel de Noreste, La Nueva Familia Michoacana e Carteles Unidos: ramificações complexas no México.
Cada designação detalha violações de direitos humanos e uso de violência sistemática contra populações civis, reforçando argumento de analogia com terrorismo religioso ou ideológico.
2.3. Implicações jurídicas e financeiras
Designações de FTO implicam:
· Congelamento imediato de ativos detectados em território americano.
· Criminalização do "material support" por cidadãos e residentes.
· Ações civis de recuperação de danos por vítimas.
Juristas destacam riscos de processos judiciais por supostos afetados, além de questionamentos sobre jurisdição extraterritorial e compatibilidade com o direito internacional humanitário.
2.4. Operações e cooperação internacional
Até abril de 2025, foram realizadas:
· Operação Tidal Wave (https://www.ice.gov/news/releases/largest-joint-immigration-operation-florida-history-leads-1120-criminal-alien-arrests): prisões de membros da MS-13, Tren de Aragua, Brown Pride Aztecas, Barrio Azteca, Surenos (sur-13) and 18th Street Gang nos EUA.
· Extradições membros de OrCrim para a mega prisão de El Salvador.
Estas operações não se limitaram a ações pontuais de aplicação da lei, mas evidenciaram uma estratégia mais ampla de projeção de poder: a integração sistemática de capacidades militares — como vigilância aérea, drones de ataque e apoio logístico — com ferramentas judiciais e diplomáticas, reforçando o uso de parcerias regionais para legitimar intervenções extraterritoriais. Essa convergência de meios eleva a capacidade dos EUA de atuar rapidamente em prol de seus interesses de segurança, mas também acentua dilemas em torno da legalidade internacional, do respeito à cadeia de comando civil em países parceiros e da potencial escalada de confrontos entre agências de aplicação da lei e grupos criminosos transnacionais.
3. Riscos de violação de soberania em países-alvo
A aplicação extraterritorial da doutrina antiterrorista pelos EUA confronta diretamente o princípio de soberania nacional consagrado na Carta da ONU (Art. 2(4)). A seguir, apresentamos alguns riscos para cada país-alvo, selecionado abaixo por nós:
3.1. México
· Transferência unilateral de monitoramento e coleta de dados: a instalação de drones MQ‑9 Predator e sistemas de vigilância eletrônica ao longo da fronteira, operados exclusivamente por militares e agências americanas, pode ocorrer sem autorização formal do Executivo mexicano, violando normas de jurisdição airspace control e legislação doméstica sobre soberania territorial.
· Operações encobertas de captura: a possível infiltração de agentes da DEA em territórios rurais, utilizando bases avançadas no Texas, poderá resultar em prisões extrajudiciais de supostos líderes de cartéis, sem a anuência do governo mexicano e sem respeito aos procedimentos de extradição previstos no tratado bilateral de 1978.
· Congelamento ou suspensão de assistência financeira: condicionamento de repasses do Mérida Initiative, disponível em https://mx.usembassy.gov/the-merida-initiative/, a cooperação plena do México na designação e perseguição de cartéis, ameaçando a independência de políticas públicas antidrogas e segurança interna.
3.2. Brasil
· Treinamento e emprego de forças especiais: o envio de instrutores da DEA e do FBI para formar tropas locais em técnicas de contrainsurgência e coleta de dados biométricos pode sobrepor comando e controle a estruturas militares brasileiras, comprometendo a hierarquia constitucional das Forças Armadas.
· Potencial designação do PCC e CV como FTO: caso confirmada, acarretaria intensificação de operações conjugadas em solo brasileiro, autorizando prisões e interceptações de comunicações sem respaldo jurídico local, ampliando poder de coerção extraterritorial, sanções econômicas e outras iniciativas estadunidenses de combate ao terrorismo.
Nesse sentido, o governo brasileiro pediu, no dia 06 de maio, em reunião entre representantes do governo Trump com integrantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para os EUA não classificarem as OrCrim brasileiras como organizações terroristas - FTO, conforme matéria do site CNN de 07 de maio, acessível em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/brasil-eua-crime-organizado-terrorismo/.
3.3. Venezuela
· Execução de ataques aéreos e operações cinéticas: fundamentadas na Autorização do Uso da Força Militar - AUMF de 2001, disponível em https://www.congress.gov/107/plaws/publ40/PLAW-107publ40.pdf, autorizações tácitas podem levar a bombardeios cirúrgicos de campos do Tren de Aragua sem consulta ao governo Maduro, configurando ato de agressão proibido pela Carta da ONU.
· Imposição de sanções secundárias à PDVSA: bloqueio de recursos energéticos e financeiros, limitando autonomia econômica da Venezuela, pode ser interpretado como coerção de Estado soberano para aceitar medidas punitivas externas.
· Fomento indireto de grupos dissidentes: apoio logístico e de inteligência a milícias opositoras para realizar operações de solo, infringindo o princípio de não intervenção em assuntos internos.
3.4. Colômbia
· Operações conjuntas sem supervisão: emprego de unidades de forças especiais estadunidenses em missões de busca e captura, com pouca ou nenhuma participação de autoridades colombianas, fragilizando a cadeia de comando local.
· Pressão diplomática por extradições sumárias: exigência de transferência imediata de suspeitos para juízo americano, ignorando trâmites de due process e garantias constitucionais previstas na Constituição colombiana.
Portanto, a atual postura do governo Trump transmite um certo temor no cenário internacional, especialmente na América Latina, colocando os países em alerta sobre a possibilidade dos EUA aplicarem sanções e de realizarem operações militares nos países-alvo.
4. Possíveis desdobramentos diplomáticos e geopolíticos
4.1. Relações EUA–América Latina e rivalidades externas
O endurecimento estadunidense:
· Reforça laços entre países-alvo e China: projetos de infraestrutura substituem financiamentos dos EUA.
· Projeta influência russa na América Latina: novos acordos militares com os países impactados pelas possíveis medidas dos EUA.
· Eleva risco de competição estratégica em águas do Atlântico Sul.
4.2. Impactos no combate ao tráfico e direitos humanos
A fragmentação da cooperação:
· Reduz compartilhamento de inteligência entre agências.
· Favorece vácuos que grupos criminosos exploram para expandir rotas de tráfico.
· Eleva denúncias de abusos por forças de segurança, estimulando ações de ONGs e tribunais internacionais.
5. Conclusão
A aplicação da doutrina antiterrorista dos EUA a organizações criminosas transcende a dimensão meramente jurídica, configurando estratégia de segurança nacional que mistura instrumentos diplomáticos, econômicos e militares. Ao designar cartéis e facções como FTOs, o governo Trump consolida o poder de coerção extraterritorial, mas arrisca colidir com princípios basilares do direito internacional, sobretudo a soberania estatal e a proibição de uso da força.
No contexto brasileiro, a inclusão prospectiva do PCC e do CV no rol de possíveis FTOs expande o debate sobre limites de intervenção e necessidade de salvaguardas institucionais.
Logo, podemos concluir que as OrCrim devem ser consideradas como uma ameaça a soberania dos Estados, e com isso o tema deve ser tratado com extrema seriedade pelo poder político.
Qual a sua opinião?
Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:
Matéria de 23/01/2025:
Matéria de 19/02/2025:
Matéria de 04/05/2025:
Matéria de 09/04/2025:
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