Em junho de 2017 teve início a problemática do Catar, onde um quarteto de países muçulmanos, formado pela Arábia Saudita, pelo Egito, pelos Emirados Árabes Unidos - EAU e pelo Barein, cortou as relações diplomáticas e impôs um embargo terrestre, aéreo e marítimo ao governo de Doha. Esse evento deveu-se as acusações de que esse país apoiava o terrorismo islâmico, com isso desestabilizando a região, o que foi negado veementemente pelo Catar.
Convém mencionar que esse movimento contou com o apoio do governo estadunidense, e que, coincidentemente, ocorreu após a visita de Donald Trump a Riad.
É digno de nota que a Qatar News Agency, que é a agência oficial do Catar, sofreu um ataque cibernético, onde hackers postaram fake news sobre críticas ao governo dos EUA e de apoio ao governo iraniano. Acordo informações, o ataque cibernético teria sido realizado pelos EAU.
Dessa forma, o quarteto tentou impor ao Catar uma lista com 13 demandas para que fosse evitada uma crise na região do Golfo Pérsico, o que foi considerado pelo governo catariano um grave atentado a sua soberania. Segue a lista das imposições do quarteto ao Catar:
enfraquecimento das relações diplomáticas com o Irã, expulsar a representação militar iraniana no país e limitar a cooperação econômica com aqueles país;
fechar a base militar turca que encontra-se em construção no país e cessar toda cooperação militar com a Turquia;
cortar todos e quaisquer laços com grupos ideológicos, sectários e terroristas;
parar todos os investimentos e financiamentos a grupos considerados terroristas pelos EUA e pelos países do quarteto;
entregar todos os terroristas procurados pelos EUA e pelos países do quarteto, bem como compartilhar informações sobre eles;
fechar o canal Al Jazeera e todas as sua afiliadas;
parar de se intrometer nos assuntos internos de outros países e de naturalizar cidadãos dos países do quarteto. Compartilhar dados de inteligência de elementos que se oponham aos países do quarteto;
compensar financeiramente os países do quarteto pela perda de investimentos, de vida e de propriedade, devido a política catariana ao longo dos anos;
procurar viver harmonicamente com os seus vizinhos do Golfo, principalmente nos setores militar, político e econômico, fortalecendo a segurança dos países do Golfo em consonância com o 2013/2014 Riyadh Agreement (tem por objetivo impedir os movimentos por mudança política, como a Primavera Árabe, com o intuito de manter a estabilidade no Golfo);
entregar informações sobre todos os possíveis opositores;
fechar todas as agências de notícias patrocinadas direta ou indiretamente pelo Catar, como: Arabi21, Rassd, Al Araby Al Jadeed, Mekameleen and Middle East Eye;
todas as demandas devem ser aceitas dentro de 10 dias;
a concordância do Catar as demandas deve ser incluída, por meio de metas objetivas e claras, e que devem ter um acompanhamento através de um calendário que contenha relatórios mensais, anuais dentre outros requisitos.
Ao analisarmos as 13 demandas podemos concluir que elas têm por finalidade atingir os objetivos geopolíticos dos países do quarteto e dos EUA:
pressionar o governo iraniano, por meio do aumento do estrangulamento de sua economia, dificultando o financiamento do seu proxy Hezbollah, contribuindo para diminuir a ameaça iraniana aos países sunitas do Golfo;
conter o aumento da influência turca no mundo muçulmano sunita;
evitar ataques as políticas governamentais dos países do quarteto pela forte mídia do Catar;
manter o status quo dos governos dos países do quarteto por meio do enfraquecimento dos grupos opositores como a Irmandade Muçulmana, e demais elementos contrários aos regimes, com o fim de se evitar um evento análogo a Primavera Árabe, pois as monarquias de Riad e de Abu Dabi consideram esses movimentos como grandes ameaças;
desestabilizar o governo do Catar, terminando com a sua postura independente, pois o país não é alinhado às políticas da Arábia Saudita e dos EAU.
Além disso, os países do quarteto tentaram que outros Estados ficassem ao seu lado, visando pressionar o Catar. Tal crise foi alvo de preocupação no cenário internacional, em que países extra-Golfo se ofereceram para mediar a crise.
Nesse cenário, o Catar não aceitou os termos impostos e fortaleceu as suas relações com a Turquia, o Irã e Omã, aumentando o comércio com esses países. Com isso, a sua economia não sofreu grandes percalços, conseguiu manter a estabilidade do país, e não cedeu a sua soberania. Ademais, assinou um acordo estratégico com os EUA no tocante ao combate ao terrorismo, além de outros acordos econômicos.
Isso se deveu ao Catar possuir uma grande força econômica, movida pelas suas reservas de petróleo e gás, bem como por sua política externa pragmática e moderada.
Dessa forma, podemos ver que o embargo foi um fracasso e teve como consequência um resultado oposto, pois potencializou as relações do Catar com a Turquia e o Irã, e acabou sendo um erro de análise geopolítica por parte do quarteto, em que não levou em consideração a força econômica do Catar e o apoio dos seus aliados, como os governos iraniano e turco.
Além disso, no cenário internacional os interesses econômicos falam mais alto, o que ficou demonstrado pela aproximação entre os EUA e o Catar durante essa problemática, em que pese o governo de Washington ter apoiado o embargo.
Isso demonstra o quanto o governo de Doha conhece as suas potencialidades (fatores de força) e sabe usá-las no xadrez geopolítico, por meio de uma política externa pragmática.
O fracasso do embargo pode sinalizar ao Kuwait e ao Omã a adotarem uma postura mais independente como a do Catar.
Nesse diapasão, a crise se encerrou após 3 anos e meio, em janeiro deste ano, com o restabelecimento das relações entre todos os países envolvidos na problemática do Catar, demonstrando a importância desse país no Golfo.
Entretanto, com a saída de Donald Trump, que apoiava o embargo, e com uma mudança eminente da política externa dos EUA, os países do quarteto, notadamente a Arábia Saudita, tentam demonstrar uma mudança em sua postura agressiva de impor a sua vontade sobre um Estado soberano.
O Blog é de opinião de que a problemática do Catar nos revela algumas lições, como:
importância da análise geopolítica;
o perfeito conhecimento dos nossos fatores de força e fraqueza, além das oportunidades e vulnerabilidades, é extremamente importante no xadrez geopolítico mundial;
o quão importante é um política externa pragmática que preserve os interesses do Estado e que persiga os objetivos geopolíticos do país;
a necessidade de se ter aliados internacionais confiáveis, e de preferência com interesses comuns, e que novas alianças podem ser feitas para superar desafios;
adoção de moderação no cenário internacional;
preservar a soberania a qualquer imposição de outros Estados.
Em nossa opinião, o Catar sai fortalecido dessa crise, e pode fazer com que outros países da região adotem uma postura independente semelhante a desse país. Além disso, acreditamos que a Arábia Saudita teve a sua influência diminuída na região no Golfo, e que abre mais uma rivalidade política, além das que já possui com o Irã e a Turquia. Ademais, essa crise pode contribuir para uma mudança geopolítica no Golfo.
Acreditamos que as lições listadas acima sejam interessantes para uma reflexão acerca dos desafios que podem surgir ao nosso país.
Qual a sua opinião sobre o tema? Você concorda com as lições mencionadas?
Seguem alguns vídeos sobre o assunto para ajudar em nossas análises:
Matéria de 07/01/2021:
Matéria de 05/01/2021:
Matéria de 16/01/2021:
Matéria de 01/02/2018:
Matéria de 05/01/2021:
Matéria de 05/01/2021:
Matéria de 15/09/2018:
Matéria de 27/11/2019:
Matéria de 15/01/2021:
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