A influência das ORCRIM nos Estados da América Latina - Parte IV: a tentativa de assassinato na Colômbia.
- Alexandre Tito Xavier
- 9 de jun.
- 8 min de leitura

Introdução
A tentativa de assassinato contra Miguel Uribe Turbay, senador colombiano e então pré-candidato à presidência da República da Colômbia, ocorrida em 7 de junho de 2025, representa mais do que um ato isolado de violência política. Trata-se de um evento que, ao ser inserido em uma matriz geopolítica mais ampla, pode revelar a crescente infiltração e atuação de organizações criminosas (ORCRIM) nos sistemas políticos e institucionais da América Latina.
O presente artigo tentará analisar esse atentado sob uma perspectiva regional, utilizando como referência o artigo "A influência das ORCRIM nos Estados da América Latina, inclusive no Brasil", de 12 de agosto de 2023, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/a-influência-das-orcrim-nos-estados-da-américa-latina-inclusive-no-brasil, sendo o quarto artigo sobre essa temática, o qual propõe que tais organizações não apenas operam à margem do Estado, mas o penetram, corrompem e, em alguns casos, o capturam parcialmente.
Ao longo deste artigo, será defendido que o caso colombiano, à luz do atentado a Uribe Turbay, é exemplar da dinâmica crimino - político regional, e que seu entendimento requer um enfoque transnacional e multidimensional, considerando as inter-relações entre violência, crime organizado, debilidade institucional e rearranjos de poder.
1 - O Atentado Contra Miguel Uribe Turbay: Contexto e Dinâmica
Em 7 de junho de 2025, Miguel Uribe Turbay, senador e um dos principais nomes do partido Centro Democrático, foi alvejado por disparos de arma de fogo durante um comício em Bogotá. O autor dos disparos, um adolescente de aproximadamente 14 a 15 anos, conseguiu se infiltrar no evento e atirar contra o senador, atingindo-o na cabeça e nos membros inferiores. Uribe foi socorrido em estado crítico, submetido a cirurgia e mantido em estado estável, embora muito grave.
O atentado imediatamente evocou lembranças de outros eventos trágicos da história política colombiana, como o assassinato de Luis Carlos Galán em 1989. A Colômbia, marcada por um histórico de violência política e conflito armado interno, parece reviver ciclos de instabilidade quando figuras de destaque tornam-se alvos de eliminação física por motivos que transcendem o crime comum.
A identidade do autor e sua faixa etária levantaram questionamentos sobre o recrutamento de menores por redes criminosas, prática comum entre grupos armados ilegais na Colômbia. A investigação inicial revelou indícios de conexões com estruturas que transcendem o âmbito local, inclusive com padrões semelhantes aos utilizados por milícias urbanas ou facções a serviço de cartéis.
A reação do governo colombiano foi imediata: uma força-tarefa especial foi criada, com participação de agências de inteligência, polícia nacional e serviços de segurança, com a promessa de recompensas para informações que levassem aos mandantes do crime. Entretanto, a opinião pública permanece dividida entre os que exigem respostas duras e aqueles que temem a escalada de uma retórica de exceção.
2 - A Violência Política como Recurso Estratégico na América Latina
A violência política, na América Latina, não é um fenômeno novo, mas sua sofisticação e integração com o crime organizado tem adquirido contornos cada vez mais complexos. Historicamente, assassinatos políticos, repressão armada e ameaças a lideranças públicas foram ferramentas utilizadas tanto por regimes autoritários quanto por insurgências. Contudo, a incorporação dessas práticas ao modus operandi de ORCRIMs sinaliza uma mutação estrutural na lógica do poder.
Na Colômbia, as décadas de conflito armado entre o Estado, guerrilhas e grupos paramilitares deixaram um legado institucional frágil e uma sociedade profundamente militarizada. Após os acordos de paz com as FARC, o vazio de poder em certas regiões foi rapidamente preenchido por novas facções e cartéis. A violência contra lideranças políticas se intensificou, sobretudo em contextos eleitorais.
O assassinato de Fernando Villavicencio no Equador, em 2023, e o atentado contra Cristina Kirchner, em 2022, na Argentina, exemplificam a regionalização dessa estratégia. Em comum, há o uso de táticas de intimidação extrema como forma de desorganizar o processo político, polarizar o debate público e criar um ambiente propício ao avanço de agendas autoritárias ou oportunistas. Tais eventos também servem como alertas para os limites da institucionalidade democrática diante de redes paralelas de poder.
3 - O Papel das ORCRIM na Desestabilização das Democracias
As organizações criminosas na América Latina evoluíram de meras estruturas de comércio ilícito para redes sofisticadas com objetivos políticos. Não se limitam mais à lógica de maximização de lucros; buscam controle territorial, influência legislativa e poder de veto sobre decisões do Estado. Esse fenômeno é abordado com profundidade nos artigos da série "A influência das ORCRIM nos Estados da América Latina", que podem ser lido em https://www.atitoxavier.com/my-blog/categories/amer-e-atl-sul, ao destacar que a criminalidade organizada atua hoje como um fator estruturante da política em várias democracias latino-americanas.
Na Colômbia, a atuação das ORCRIM assume diversas formas: desde o financiamento de campanhas eleitorais até a eliminação de adversários políticos ou lideranças comunitárias contrárias a seus interesses. As regiões fronteiriças, as zonas periféricas e os territórios historicamente negligenciados pelo Estado são os mais afetados por essa dinâmica.
A instrumentalização da violência política por essas organizações responde a um racional estratégico: gerar instabilidade, descredibilizar o processo democrático e abrir espaço para a negociação informal de poder com elites políticas coniventes. Além disso, a desestabilização favorece a captura seletiva de instituições de segurança e justiça, essenciais para garantir a impunidade de suas ações.
O atentado contra Miguel Uribe Turbay, nesse contexto, não deve ser lido como um ato isolado de violência juvenil ou retaliação pessoal. Ele pode representar uma manifestação aguda da disputa por hegemonia entre o poder estatal e o poder criminal, que hoje coexistem em diversos níveis nas estruturas de governança latino-americanas.
4 - A Captura Estatal e a Realidade Sul-Americana
Podemos dizer que a captura do Estado refere-se à apropriação de instituições públicas por interesses privados — lícitos ou ilícitos — com o objetivo de manipular regras, políticas e decisões governamentais em seu favor. No caso da maioria da América Latina, esse conceito adquire contornos mais sombrios quando aplicado ao crime organizado, que busca, não apenas influência, mas domínio sobre esferas decisórias do aparato estatal.
Conforme apontado por nossos artigos, as ORCRIMs não se contentam mais em corromper pontualmente agentes públicos: elas constroem redes estáveis de dominação e dependência institucional. Isso se manifesta na infiltração de membros em estruturas do Judiciário, no controle de unidades policiais, no financiamento de campanhas eleitorais e na manutenção de canais constantes de comunicação com representantes eleitos. Trata-se de uma simbiose perversa entre legalidade e ilegalidade.
5 - Vetores de influência das ORCRIM na América Latina
Apresentaremos uma tese clara: as ORCRIMs são, em muitos casos, forças de ocupação política. Elas não apenas desafiam o Estado — elas o utilizam. Essa tese encontra no caso colombiano um terreno fértil para demonstração empírica. Identificamos quatro vetores principais de influência das ORCRIM nos Estados latino-americanos: infiltração institucional, controle territorial, manipulação eleitoral e repressão a opositores.
Todos esses elementos podem ser observados na conjuntura colombiana contemporânea. A infiltração institucional ocorre através da cooptação de setores do sistema de justiça e das forças policiais. O controle territorial se manifesta em regiões como o Catatumbo, uma área transfronteiriça entre a Colômbia e a Venezuela, localizada na região andina entre a Cordilheira Oriental da Colômbia e o Lago Maracaibo, onde o Estado formal é substituído por uma governança paralela criminal.
Assim, a manipulação eleitoral tornou-se visível em casos de financiamento ilegal de campanhas e ameaças a eleitores. A repressão a opositores atinge níveis alarmantes: líderes sociais, defensores de direitos humanos e agora candidatos à presidência tornam-se alvos.
A tentativa de assassinato contra Uribe Turbay pode, portanto, ser analisada à luz desse modelo, caso os autores sejam oriundos de ORCRIM. Ela representaria o uso da violência política como instrumento de seleção adversa: a eliminação de atores políticos que ameaçam os arranjos estabelecidos pelas ORCRIM.
Logo, os Estados capturados pelas ORCRIM não são disfuncionais por falha: eles funcionam precisamente como esses grupos desejam.
6 - A Reconfiguração da Geopolítica Regional pela Criminalidade Organizada
A questão da violência política não pode ser compreendida em termos exclusivamente nacionais. A atuação das ORCRIMs é transnacional, e sua influência se projeta sobre a estabilidade de toda a região. O narcotráfico, o tráfico de armas, o contrabando e a lavagem de dinheiro não conhecem fronteiras — e tampouco a sua lógica de poder.
A tentativa de assassinato de Uribe Turbay insere-se em um momento de reconfiguração geopolítica: no Equador, o narcotráfico desafia abertamente o Estado; no Paraguai, redes criminosas se infiltram no aparato legislativo; no Brasil, o poder armado paralelo das milícias representa ameaça concreta ao Estado de Direito. O crime organizado atua como um vetor informal de integração regional, promovendo práticas convergentes de corrupção, violência e erosão institucional.
O impacto disso é profundo: torna-se difícil conceber projetos regionais de segurança coletiva, compromete-se a cooperação jurídica internacional e cria-se uma cultura política de normalização da violência. A criminalidade organizada transforma-se em um ator com poder de veto geopolítico, interferindo na agenda internacional dos Estados e limitando sua autonomia decisória.
7 - Impactos na Legitimidade Institucional e na Confiança Pública
A violência política patrocinada ou instrumentalizada pelas ORCRIMs produz um dano direto à legitimidade das instituições democráticas. Quando um político é alvejado por um jovem cooptado por redes criminosas, o sinal enviado à sociedade é de impotência estatal. A confiança nas eleições, no Judiciário e nos mecanismos de proteção à vida política se esvai.
Além disso, a percepção de impunidade e o descrédito das respostas governamentais aprofundam o fosso entre sociedade civil e aparato estatal. Esse abismo é, por vezes, explorado pelas próprias ORCRIMs, que oferecem segurança informal, serviços e até mediação de conflitos onde o Estado não alcança. Trata-se de um ciclo perverso de substituição da autoridade legítima pela autoridade violenta. Realidade essa não muito distante das nossas casas.
8 - As Possíveis Implicações para o Ciclo Eleitoral Colombiano de 2026
A tentativa de assassinato de Uribe Turbay ocorre a pouco mais de um ano das eleições presidenciais na Colômbia. Esse evento pode desencadear uma série de efeitos políticos deletérios. Primeiro, há o risco de desestabilização do calendário eleitoral, caso novas ameaças ou atentados provoquem retração de candidaturas e restrição do debate público.
Segundo, a polarização política tende a se intensificar, com discursos de extrema-direita apelando para a militarização da política e discursos de extrema-esquerda denunciando instrumentalização do atentado. Ambos os polos podem, de formas diferentes, favorecer projetos autoritários.
Terceiro, há o perigo de desmobilização do eleitorado, sobretudo nas periferias e regiões rurais, que historicamente sofrem maior influência das ORCRIMs. A abstenção eleitoral pode ser funcional aos interesses desses grupos, que preferem a manutenção de estruturas frágeis e elites negociáveis.
Conclusão
A tentativa de assassinato de Miguel Uribe Turbay é mais do que um atentado contra um político colombiano. É um sintoma grave de um processo de corrosão institucional que atinge toda a América Latina. Seu significado extrapola as fronteiras nacionais e convoca a comunidade internacional a uma reflexão sobre os limites da democracia sob assédio criminoso.
Como demonstrado neste artigo, a atuação das ORCRIMs é sistêmica, racional e orientada ao poder. Elas não operam apenas nas sombras: elas disputam — e muitas vezes vencem — o controle de setores estatais. Uribe Turbay, ao representar uma agenda reformista e comprometida com o enfrentamento da criminalidade, tornou-se um alvo lógico desse modelo de dominação paralela.
Assim, é urgente repensar o paradigma da segurança hemisférica. A criminalidade organizada deve ser tratada como ameaça transnacional à democracia, e não apenas como problema interno de segurança pública. Cooperações interagências, forças-tarefa regionais, mecanismos de extradição e partilha de informações precisam ser fortalecidos.
Portanto, não se trata apenas de criminalidade, mas de um novo tipo de guerra — uma guerra política travada por meios criminosos. E o desfecho dessa guerra dirá muito sobre o futuro das democracias na América Latina.
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Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:
Matéria de 08/06/2025:
Matéria de 08/06/2025:
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